A Quaresma e a Páscoa no concelho de Idanha-a-Nova transportam para rituais quase únicos em Portugal e para janelas temporais de vários séculos que manifestam um profundo sentido da fé e de traços comunitários.
Segundo o investigador Dr Oliveira Catana, neste concelho há raízes templárias com oito castelos templários, como também porque existiram dois conventos franciscanos e igualmente pelo número ímpar de misericórdias que existem neste concelho. “11 misericórdias em que 9 ainda estão em plena atividade. E depois, a parte do povo.”
No decorrer da Quaresma e da Páscoa encontramos vários rituais, alguns até de noite e no alto das torres, como por exemplo a Encomendação das Almas.
É um dos muitos ritos executados por homens com batina e capuz e mulheres vestidas de escuro e com cânticos e preces transmitidos oralmente de geração em geração.
São múltiplas as manifestações intrinsecamente religiosas e que foram adaptadas a contextos locais, designamente culturais e sócio-económicos. São “procissões como a dos homens no Ladoeiro, o terço dos homens em S. Miguel de Acha, as ladainhas…
Noutros lugares verifica-se como a forte influência das Misericórdias, que há alguns séculos atrás foram-lhes conferida a organização dos rituais religiosos na Quaresma, estão na génese de alguns rituais. “É o caso da Ceia dos 12 que se repete em Segura, Alcafozes, Salvaterra do Extremo e Proença-a-Velha. É uma representação cénica como se fosse a Ceia de Cristo. Os irmãos mais antigos jantam e o Provedor representa Cristo.”
Na sede do concelho um dos momentos mais arrepiantes é o fecho do sepulcro após a celebração com que culmina a procissão do Enterro do Senhor na noite de Sexta-feira Santa.
No sábado de Aleluia centenas de pessoas acorrem, às 9h da noite, no largo da Igreja e na missa. “Como na Quaresma se cumpriu a penitência e oração, no Sábado de Aleluia é a vez da alegria”. O sacerdote anuncia que Cristo Ressuscitou, a esse anuncio segue-se um efusivo sinal de contentamento manifestado de uma forma muito singular. “Quando começa a missa os apitos começam a tocar. Toda a gente, novos e mais velhos, têm apitos”. São centenas de pessoas que envolvem toda a Igreja no interior e exterior.
À saída da Missa, com a Igreja Matriz, repleta de fiéis, depois de terem cantado em uníssono, no final da mesma, junto do altar, o festivo canto das Alvíssaras ao Pároco, ao ritmo dos míticos e arcaicos adufes, aguarda-os, no amplo adro, um mar de gente, depois de ter regressado de percorrer as ruas da Vila de Idanha-a-Nova, anunciando em animado e ruidoso cortejo ao som da Filarmónica, dos apitos e dos chocalhos, a Ressurreição do Senhor.
Dai-nos alvíssaras, Senhora, Aleluia! Aleluia! Duma nova que vos trago. Aleluia, já é festa, O Vosso Amado Filho Alegrai-vos, Mãe de Deus, N’ Aleluia foi achado. Nossa alegria é esta. A alegria é contagiante, nesse mar de gente que passa a encher o adro, bem como a escadaria e o patamar que conduz à icónica torre sineira, mas o momento mais impressionante, hilariante e surpreendente acontece, quando o Pároco e seus familiares das janelas e porta da casa paroquial lançam à rebatina pequenos sacos de amêndoas, para os mais jovens e até graúdos que se aproximam do alcance onde possam agarrar, com ambas as mãos, um dos abençoados sacos…
Enquanto nos últimos tempos, o Pároco oferece amêndoas às adufeiras, aos componentes da Filarmónica e vem lançando da porta e das janelas da residência paroquial, juntamente com familiares, sacos com amêndoas à rebatina para o povo que enche o Adro, antigamente apenas se distribuíam castanhas e passas pelas adufeiras que iam cantar as Alvíssaras.
“Ainda no Sábado da Aleluia, depois de ter sido comemorada festivamente a ressurreição de Cristo, quando chegar a meia-noite, os 25 da Confraria do Santíssimo Sacramento cumprem o antigo ritual da entrega do Senhor morto, transportando-o no esquife da Igreja à Misericórdia a que pertence, acompanhados do Pároco como penitente e de demais penitentes, cujo número aumenta, em cada ano que passa. A entrada é pela porta pequena, em vez de entrar pela porta principal donde saíra. No dizer do informante José Fatela, já atrás citado, este uso de entrar pela porta lateral, é como se fosse às escondidas, sem ninguém saber. Antes do final do ritual, em muitos dos participantes no recatado silêncio que perdura no percurso até à colocação do esquife, na capela-mor, baila no seu pensamento o desejo de rogar ao Senhor a saúde possível para que possam participar nos inúmeros ritos e rituais da cíclica vivência da Semana Santa do ano seguinte.”
“A Semana Santa chega ao fim com a chegada do Domingo de Páscoa, também denominado de Festa ou das Flores. Primavera e Páscoa associadas e irmanadas. Depois da Morte, surge o canto alegre, os hinos de glória ao Cristo Ressuscitado. Para trás ficara o sono em que a Mãe Natureza se havia envolvido.
Aleluia, Aleluia
Aleluia «Surreição»
Já Cristo ressuscitou
Para nossa Salvação.
Já os passarinhos cantam
Na oliveira da Cruz
Tocam as Avé Marias
À «Surreição» de Jesus.
jhs/Fontes:
https://www.idanha.pt/media/6577/misterios_pascoa_2024.pdf, e andarilho.pt