Mistérios do Padre Miguel do Meimão

O Correio de Caria foi convidado para assistir a uma celebração do Terço na Igreja de Nossa Senhora do Pilar, no Meimão, no dia 17 de setembro, promovida pelo autodenominado “Grupo de Mordomos desta Igreja” com o grupo de “afilhados do Padre Miguel”, em sua oração e homenagem. Impossibilitados de estar presentes pedimos fotos e desafiámo-nos para um trabalho de reportagem, sobretudo pelo facto de 22 anos depois da sua partida haver ainda um tão numeroso contingente de fiéis que todos os meses se desloca ao monte cimeiro da barragem no Meimão, para rezar o terço em evocação deste sacerdote que em vida foi uma das figuras mais controversas da Igreja católica na região.

Fomos à Aldeia do Meimão no Concelho de Penamacor e percebemos que Aliciados pela fama de “milagreiro”, os devotos começaram a rumar aos milhares, no final da década de 70 a esta Paróquia, e depois à sua terra natal, onde faleceu em 2001, aos 89 anos de idade.

Segundo os testemunhos que colhemos “ele nunca disse que fazia milagres e não gostava sequer que as pessoas dissessem isso, mas o povo é assim tem de dar nome a tudo…” disse uma sua vizinha que se lembra dele desde o dia em que viu a camioneta com a sua parca mobília chegar ao Meimão para se instalar na Casa da Paróquia e logo, ainda criança, se tornou presença assídua na sua casa. “Ele só pedia rezem, tenham fé em Deus e rezem, ora isso não é mal nenhum”, reforçou…

José Joaquim Pires Cacheine e António Manuel Jerónimo
Mordomos da Igreja de N. Srª do Pilar

“O facto é que o Pároco do Meimão, que para muitos é tido como santo e sobre o qual são testemunhados a atribuição de imensos milagres, não teve a vida fácil no Meimão, mas que não foi por causa do seu povo e dos seus paroquianos, embora houvesse quem procurasse ver nisso a explicação para o tirar desta Paróquia”, explicou-nos o meimãoense José Joaquim Pires Cacheine.

Disse outra moradora que “o mistério de poderes especiais do Padre Miguel, começou a ser percebido logo de início entre os moradores” da pequena povoação, surgida com alguns mistérios em que por algum motivo ou afronta se dirigiam ao Sr. Prior e ele mesmo sem as ouvir, já sabia ao que vinham e as mandava rezar e ir para casa que o problema estava resolvido. E de facto desde os membros da casa, aos animais que estivessem doentes, as melhoras chegavam logo depois da visita ao padre e a oração. Mas “por timidez, acomodação, ou até vergonha os paroquianos do Meimão não divulgavam muito isso”. Porém não tardou que o “segredo se revelasse e a fama do Padre Miguel a alastrar”, transformando o Meimão num dos maiores locais de peregrinação deste País e tudo por causa do Padre que rejeitava admitir que fosse santo ou tivesse poderes Divinos.

Disso nos falaram todos interlocutores com que falámos para esta peça e estão latentes nos testemunhos registados pelo jornalista Cunha Simões nos seus seis livros editados sobre o Padre Miguel, em inúmeros artigos em vários jornais em várias ocasiões, assim como um vasto número de registos nas redes sociais, dão conta tanto do vasto contingente de centenas de milhares de pessoas que aqui se deslocavam como dos denominados “milagres” de que são testemunhas, diretas e indiretas.

O Bispo de então D. José Policarpo, terá pedido ao Padre Miguel que não atendesse as pessoas, mas que este respondeu que não podia “expulsar da sua casa e da Casa de Deus que é a Igreja quem os viesse visitar”, por isso o contingente ia crescendo e milhares de peregrinos de todos os pontos do País, espanhóis e muitos emigrantes portugueses se encaminhavam ao Meimão em autênticas romarias. “Dezenas de automóveis e autocarros engarrafavam a povoação e seus arredores”.

“Ele casava toda a gente de graça e sem discriminação, funerais, batismos e tudo, foi padrinho de muitas, mas muitas crianças”, disse a vizinha no Meimão. Além desses o Padre José Miguel adotava como afilhados quase todas as crianças que o visitavam, dava-lhes uma moeda normalmente de 2,5 escudos, mas podia ser outro valor que benzia e a dava à criança, propondo-lhe ser seu afilhado. A moeda funcionava como se fosse uma medalha, a maioria guardavam-na e em muitos casos funcionava como “amuleto da sorte”, ou de cumplicidade com o sacerdote, através da qual procuravam a sua proteção. São inúmeros os testemunhos também na página web dos afilhados, denominada https://www.facebook.com/afilhadospadremiguel/?locale=pt_PT

A Polémica Igreja de Nossa Senhora do Pilar

Havia no alto da Serra do Meimão, próximo da atual Zona Balnear uma pequena capela de S. Domingos erguida em finais do seculo XVIII, onde se faziam romarias em louvor deste santo e afluíam romeiros das povoações vizinhas. Com o tempo, a industrialização e o êxodo rural, as festas deixaram de se fazer e a capelinha, naquele lugar árido e ermo ficou abandonada. Em meados do século XX, após abater o telhado por um temporal, o povo do Meimão levou o espólio da capela para a aldeia e ergueram ali uma capela nova para o santo.

Sendo o Padre José Miguel, pároco neste território e um fervoroso devoto de N. Sr.ª do Pilar, manifestou vontade em se alargar a capelinha no cimo do monte com graciosa vista para o Meimão e ali se construir uma Igreja a Nª Sr.ª do Pilar. Na facilidade que o padre tinha em criar empatia e amizades, um importante empreiteiro do Concelho do Fundão mais propriamente do Castelejo, se pôs à sua disposição para construir a Igreja, arrecadando para sua administração, os donativos que os devotos deixavam ao Padre Miguel e outros donativos em material que algumas empresas forneceram para a obra. Concluída a obra, o usurário permaneceu na administração da mesma e começando a ser censurado pelas pessoas do Meimão terá decretado que pessoas do Meimão não entravam lá.

O padre Miguel quando questionado sobre o assunto sempre dizia que “A Igreja é de todos e é para todos lá rezarem”, porém, o empreiteiro “fazia ouvidos moucos” e num dia em que o Sr. José Silveira, residente no Fundão, mas natural de Meimão ali foi com a sua filha para visitar a capela, o empreiteiro Agostinho não o deixou entrar e segundo se diz “até lhe terá entalado uma mão na porta”. Foi este ao Meimão fazer queixa do empreiteiro e estando na hora da missa, subiram ao monte consigo e um bom número de fregueses ficaram fora, mas já o empreiteiro e seu guarda costas (um mestiço seu empregado) os esperava armados.

Resolveram os do Meimão voltar atrás e pedir reforços, subiram ao campanário e tocaram o sino a rebate. O pároco, Padre Miguel que celebrava a missa e estava a leste de tudo, interrompeu a cerimónia para se aperceber do que se passa e para evitar tragédias, convidou todos, população e as centenas de visitantes que nela estavam, para subir consigo para a Igreja da Senhora do Pilar.

Chegados ali com a presença do padre, os ânimos foram outros. Tudo ficou apaziguado e o sacerdote a todos convidou para que a celebração prosseguisse ali mesmo. Ficou o empreiteiro Agostinho, num dos lugares da frente na Igreja, mesmo assim três bravas mulheres e sem que o sacerdote se apercebesse, aliciaram o empreiteiro a sair da Igreja e chegados cá fora “lhe deram um aperto” e tentaram expulsar. Veio em seu socorro o mestiço guarda-costas (que segundo alguns dizem até estaria armado) mas que acaba por ficar no meio da escaramuça enquanto o patrão se escapuliu.

O empreiteiro escapou-se e refugiou-se na barraca do guarda da barragem, onde havia telefone e ligou para a guarda dizendo que “o Povo do Meimão queria linchar o Padre Miguel”. A Guarda veio de imediato e como a escaramuça ainda estava acesa nos arredores da igreja, enfrentaram a contenda com tiros para o ar. O padre Miguel que de tudo continuava alheio, dá-se conta quando ouvem os tiros e vem à porta: Está a GNR para o levar, sob pretexto de o proteger do Povo do Meimão que lhe queria fazer mal. Uma injustiça que continua a doer às pessoas do Meimão que, revelam “sempre muito estimaram o Padre” e da qual também o próprio nunca acreditou… “Ainda poucos dias antes de falecer lá levei uma senhora do Meimão e ele ao reconhecê-la disse [Aim Meimão, Meimão, vais dentro do meu Coração…], palavras de José Joaquim…

Ora já o Bispo da Guarda, como atrás referimos, era contra a peregrinação de fiéis ao Meimão. Contavam do Padre José Miguel Garcia Pereira, muitas “crendices” que também não eram verdade, mas incomodavam a Igreja, nem esta nova capela de Nª Sr.ª do Pilar, alguma vez fora aprovada pela Diocese, vindo mesmo mais tarde a ser proibida como local de culto.

Uma oportunidade de “oiro” para que a Diocese “resgatasse” o Sr. Padre Miguel e o mantivesse na cidade da Guarda sem contato com paroquianos nem peregrinos. Meimão ficou sem padre durante alguns meses, perante os protestos dos fiéis, um novo pároco ali veio a ser colocado.

O Padre Miguel foi mandado para várias missões a substituir vários párocos, na região de Lisboa e outros pontos do País. Porém “onde cheirava que ele estava, as pessoas afluíam como abelhas na busca do mel e ele parece que se sentia melhor quando estava envolvido por muitas pessoas” refere António Manuel Jerónimo, “afilhado” residente em Caria.

“Mais tarde é mandado para o Soito, sua terra natal, mas não lhe foi dado paróquia nem podia exercer o sacerdócio”, reforça este “afilhado” cariense. Ali voltando a ser procurado por milhares de peregrinos, continuou a abençoar os que o visitavam e a rezar com eles. “Transformou agora a pacata vila do Soito, no concelho do Sabugal, num dos principais centros de peregrinação de Portugal”, como disse um jornal na época.

Dos donativos dos peregrinos é um sobrinho que passa a gerir, dando-se origem a uma importante instituição, operada pela Associação Cristã “Paz e Bem”, um dos locais onde se mantém bem viva a memória e o legado espiritual de José Miguel Garcia Pereira

Faleceu no Hospital de Sousa Martins, na Guarda, dia 1 de novembro de 2001, depois de três semanas de internamento, tendo o seu corpo seguido para Coimbra, onde foi embalsamado. A 10 de Novembro, dia em que foram conduzidas as exéquias fúnebres, as ruas do Soito revelaram-se pequenas para o mar de gente que ali assomou para um último adeus ao caridoso sacerdote que o povo aclamou como santo. Ao longo dos arruamentos da vila, escreveu na altura o jornal Público, eram muitos os veículos estacionados, um número substancial dos quais com matrícula francesa. Autocarros – provenientes de origens tão díspares como o Porto, as Caldas da Rainha, Barcelos ou Penafiel – contavam-se às dezenas.

Uma Memória que perdura

Após a sua morte e abandono pelos organismos da Igreja a capela de Nª Sr.ª do Pilar no Meimão, em 2009, segundo nos disse António Manuel Jerónimo, estava além de abandonada, completamente vandalizada, o seu espólio tinha sido vandalizado, outro roubado, dentro da nave e nos balneários, havia abundante quantidade de seringas, preservativos, garrafas e todo material no uso da prostituição e consumo de droga. António José Jerónimo, de Caria; Maria do Carmo Rico Furtado, de Penamacor; João da Silva Carvalho, da Guarda e José Joaquim Peres Cacheine, residente na Covilhã e natural do Meimão, constituíram-se como comissão de mordomos, encarregaram-se de recolher donativos, fazer limpeza, pintura e restauro da Igreja vandalizada. Alguns anos depois, em 2013, segundo testemunharam, o sobrinho do Padre José Miguel que estaria a recolher dados do espólio do padre para o pedido da sua beatificação, pediu-lhes a chave da Igreja. “Por nossa surpresa algum tempo depois a fechadura tinha sido mudada e nunca mais tivemos acesso à igreja”, salientaram os dois.

Os quatro mordomos, acompanhados de muitos “afilhados” e outros peregrinos, continuam todos os meses a fazer uma peregrinação à capela da Sr.ª do Pilar no Meimão, levam andores, acendem velas e apesar de não poderem entrar na Igreja, rezam o terço cá fora. A mobilização “chega a ter 70 pessoas e já tem ultrapassado as 100”, revelam os mordomos. No encontro surgem sempre (apesar dos anos) alguns testemunhos de pessoas que revelam a forma e o modo como foram abençoadas pelo Padre Miguel e pelo qual estão ali, “mas fazemos questão de gravar um vídeo por cada encontro e cada terço, porque já houve quem se atrevesse a dizer que íamos para lá fazer rezas estranhas”, salvaguardou António Manuel Jerónimo.

O Grupo de Mordomos, revelou-nos, que se encontra a braços com duas batalhas, ou duas missões: Por um lado resgatar para a fábrica da Igreja da Paróquia do Meimão a posse da Capela de Nª Sr.ª do Pilar que foi construída pelo Povo e com dinheiro do Sr. Padre dado ao Povo; por outro lado o processo de Beatificação do “Santo Padre Miguel” cuja santidade dizem não ter dúvidas, já ter sido abordado o Papa Francisco, este estar disponível, mas persistir sempre o impedimento da Diocese.

Nos dois processos, dizem, “ter muita esperança com o novo Bispo que venha a ser nomeado na Diocese”. Não deixando de ser surpreendente que passados 22 anos, tanta gente continue a ir ao Soito homenagear o “Padre Miguel do Meimão” e se mantenha tão latente a sua veneração pelos seus seguidores, “afilhados” e não afilhados.

Da nossa parte, Correio de Caria, a certeza de que apesar de longo, não está um trabalho completo, quereremos ainda ter acesso à versão da Diocese sobre este caso e à versão do seu sobrinho Dr. Artur Rito, bem como informar com maior detalhe a obra que o Sr. Padre Miguel deixou no Soito.

jhs

One thought on “Mistérios do Padre Miguel do Meimão

  1. Caros Sres o Padre Miguel era alguém muito a frente do seu tempo.
    Tinha o dom da libertação e da cura.
    Conheço desde os meus 16 anos de idade e não tenho dúvida que era um ” instrumento ” usado por Deus para ajudar as pessoas.
    Percebia mesmo muito do amor de Deus e também dos males que podiam apoquentar o ser humano.

    Hoje a Igreja admite muita coisa que no tempo do Ministério do Sr. Padre Miguel existia em algumas arquidioceses que era o exortar o libertar e o curar . Porém outras dioceses como a da Guarda teimavam em negar o exorcismo e a libertação.
    O Sr. Padre Miguel religou muitos católicos a Deus.
    A mim ajudou me em várias vertentes e a ser um ser humano melhor.
    O Meimāo é um local de uma beleza rara e com um Magnetismo explicável. Há que aprender a viver dessa beleza e potencial.
    O Meimāo é como o ser humano tem um potencial enorme só que não o utliza.
    É urgente desenvolver locais onde as pessoas possam pernoitar no Meimāo.
    Há muita gente que visita o Meimāo por causa do Sr. Padre Miguel.
    Porém não pode permanecer aí. Não tem onde ficar instalado.

    Quem visita o Meimāo sente -se bem.
    A muita gente que eu conheço que efetua ida a capela da Senhora do Pilar sem ser em grupo e peregrinação.

    Que gosta de estar e visitar o Meimāo para peregrinar num local importante e que fez parte da vida do Sr. Padre Miguel.

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