Uma das marcas mais distintivas de Caria é a evocação a Santa Bebiana, uma festa pagã a que se atribui uma herança vinda das festas em honra de Baco, e dos Devaneios de Dionísio, evocando a boémia com alguma sátira social que apesar de algumas repressões e outras interrupções se tem mantido em Caria e este ano ganha acrescido entusiasmo.
Como o Correio de Caria já referiu em jeito de antevisão na edição anterior, a festa de Santa Bebiana ganha nova pujança, não só porque o feriado de 1 de dezembro à 5ª Feira convida a quatro dias de festa, mas também porque regressados da abstinência da pandemia se pretende este ano festa vingada, assim como, pode haver condições para converter esta tradição num fenómeno identitário como património cultural imaterial desta terra.
Muito cedo começaram os membros da Irmandade a dar volta pelas ruas da vila e pelas aldeias anexas, no peditório para as festas, onde o S. Martinho com as suas festas e Magustos também deu uma ajudinha, isto porque não houve festa onde a popular fanfarra de bombos e chocalhos não surgisse, em piditório.
Embora ao fecho da nossa edição ainda haja alguns donativos prometidos para recolher, a Irmandade referiu ao Correio de Caria que conta com cerca de dois mil euros vindos dos contributos de moradores e comerciantes; Da medida para esta área, vinda do CLDS, contam com dois mil e quinhentos euros, da Junta de Freguesia de Caria cerca de mil euros e toda a logística; a Câmara Municipal de Belmonte suporta a atuação de Virgilio Faleiro no dia 2/12 como já é tradicional e fornece o comboio turístico para a recolha de caminheiros no dia 3/12. Orçamento que permite à irmandade se aventurar este ano num programa mais vasto durante quatro dias e com novas dimensões.
Uma das novas dimensões é o espaço de feirinha com lojas de artesanato e gastronomia que conta já com 24 lojas requisitadas, onde se encontrarão, mel, enchidos, filhoses, farturas, crepes, doçaria diversa, manufaturas e artesanato diverso. Uma tenda coberta para vários eventos e animação para as crianças, onde decorrerá outra das dimensões da festa, a análise debate e organização do processo para que a Santa Bebiana possa vir a ser certificada como Património Imaterial de Caria. Paulo Silveira, sociólogo e nosso colunista, levanta já um pouco o véu na sua crónica desta edição, mas vão-se juntar no colóquio de dia 3 de dezembro um conjunto de personalidades com créditos na matéria para fazer esta abordagem.
Da festa de Santa Bebiana não é fácil encontrar registos escritos, já que ao longo dos tempos quem dominava a escrita não se identificaria muito com a festa e preferiria ignorá-la.
Também no período em que a comunicação social era dominada e censurada quer pelo Estado quer pela Igreja, também não interessava muito a divulgação do seu episódio. Porém à medida que vamos fazendo esta abordagem para noticiar a festa, de ano para ano, vão-nos surgindo elementos novos que poderão ajudar a construir o historial para a fundamentação histórica da festa de Santa Bebiana com a identidade cultural de Caria.
Apesar do muito que há ainda para pesquisar e registar Correio de Caria, divulga este ano outra curiosidade a que teve acesso. Um registo do Jornal o Público de 2 de dezembro de 1995, onde numa peça feita por António Melo se refere ao mordomo Manuel Carvalho António, explicando a razão porque nesse ano não se faz a procissão de Santa Bebiana. Precisamente porque no ano anterior a GNR montou “um cerco” com operações stop em Caria e segundo refere foi “um fartar de vilanagem” com multas passadas não apenas por excesso de álcool mas pelos mais diversos motivos…
Lembram-se os mais antigos de Caria, que apesar de ser uma festa proibida durante o Estado Novo (por via da concordata entre o Estado e a Igreja), nunca os párocos locais se sentiram muito incomodados com a festa da Santa Bebiana, perdurando esta no tempo até à década de sessenta. Conta-se que certo comandante da GNR da Covilhã com a vontade de mostrar serviço, mandou militares a Caria no sentido de reprimir a festa, porém terá mandado poucos homens que confrontados com os populares, acabaram encurralados num beco e tiveram de fugir. No ano seguinte o mesmo comandante terá mandado forte contingente policial não com o propósito de intimar ou prender, mas carregar forte na população, não houve mortos. mas muitos foram feridos, com a agravante de estas vitimas terem medo de se irem tratar ao serviço de saúde, ou sequer faltar ao trabalho, não fossem identificados como insurretos…
Histórias que nos chegam apenas pelo relato oral pois à época os jornais da Igreja não noticiavam e nos outros a noticia ficaria pela censura.
Durante muitos anos seguintes, apesar de alguns sempre evocarem a santa numa adega ou à volta de “um bom palheto” a festa durante vários anos deixou de se fazer. Este povo apesar de bairrista, também é tradicionalmente ordeiro e resignado, coincidindo também com o grande êxodo da emigração nas décadas de 60/70.
Após o 25 de Abril de 1974, e mais propriamente nos anos 80 com a explosão de todas as liberdades e regresso de alguns emigrantes e pessoal das colónias e o fervor da “Carveste”, Caria reafirma-se a vários níveis e também com a Santa Bebiana. Como expressão da liberdade popular a festa continua a desafiar poderes e como refere o relato de Manuel Carvalho António, na peça do jornal que atrás referi, houve aqui denuncia de vereador que não gostava da festa…
Depois veio o S. Martinho importado das Inguias e que ainda nos anos 90 o apresentavam como irmão da santa, agora já o pretendem casar com ela… Desde os bonecos de palha, envoltos em serapilheira aos manequins que agora foram adotados, as rezas e rituais, toda uma narrativa há para construir e completar. Cabe para já, aos “Filipes, Mafaldas, Cristinas etc”, de hoje a missão de manter esta tradição, como o fizeram Manuel Carvalho António, (avô da Mafalda) Lurdes Afonso e muitos outros.
Referiu a Drª Antonieta Garcia que durante mais de 30 anos esta festa não se fez e que se pensou até que já tivesse sido extinta. Assim não aconteceu e assim não acontecerá!. Vivá Santa!