O campeão Belmontense Hélio Costa, sagrou-se neste mês corredor lendário ao concluir a mais longa prova do Mundo, percorrendo 1001 quilómetros desde Chaves a Sagres. Um feito singular para um atleta do nosso concelho que nos enche de orgulho, mas cujo realce o Correio de Caria pretende destacar, pela singularidade deste atleta amador que de desafio em desafio se vai superando, com invulgar resiliência onde alia a força física à determinação e força mental, tornando-o num dos melhores a nível nacional em apenas cinco anos. Sem pretensão de todos sermos atletas, o testemunho de Hélio Costa é importante por confirmar a capacidade humana de virar uma página e nos superarmos perante as adversidades. É este o propósito do Correio de Caria, na presente entrevista
Jorge Henriques Santos
Correio de Caria – De onde é natural e onde cresceu?
Hélio Costa – Sou natural daqui, Belmonte Gare, no concelho de Belmonte. Meus avós trabalhavam na CP e eram guardas da passagem de nível em Malpique, depois viemos viver para aqui, onde eu já nasci e estudei.
C.C: – Estudou sempre aqui?
H.C: – Sim, fiz a instrução primária aqui em Belmonte Gare e depois no Colégio de Belmonte.
C.C: – E começou a trabalhar em quê?
H.C: – Na indústria hoteleira, primeiro em Belmonte, no restaurante o Combinado, com 15 anos, depois fui para a tropa, quando vim da tropa fui para a Taberna do Cabral que era um restaurante também em Belmonte. Depois trabalhei no Alibar, em Caria, depois fui eu que abri o Millennium aqui na Estação de Belmonte.
C.C: – Sempre na Indústria Hoteleira?!
H.C: – Sim, depois em 2008 fui trabalhar para a superbock.
C.C: – Que é a atividade que ainda exerce agora?!
H.C: – Sim, como comercial da Superbock, que é a minha atividade até ao momento
C.C: – Então e o correr, como é que começou? Quando era miúdo?!
H.C: – Não. (risos) Eu até há cinco anos atrás era bastante gordinho. Tinha uma vida bastante sedentária, cheguei a pesar 130 kg, aos 39 e 40 anos era o meu peso.
C.C: – Como foi essa viragem?
H.C: – Tive uma doença que me levou ao hospital durante uns tempos, depois quando saí do hospital tive de fazer uma reflexão e uma espécie de revisão de vida.
C.C: – Qual foi a doença que teve?
H.C: – Ainda tenho. Tenho divertículos no intestino, tenho de fazer muito cuidado com a alimentação e há muitas coisas que não posso comer, inclusivamente coisas que fazem falta em qualquer dieta, como: alface, tomate, morangos, maçãs, frutos secos, os legumes têm de ser cozidos, a sopa tem de ser muito bem passada. Se não fizer cuidado tenho de ir para o hospital.
C.C: – Para além da dieta atlética, ainda tem mais essa!?
H.C: – Sim tenho de ter muito cuidado. Não é fácil gerir a doença e a necessidade de me recompor fisicamente, depois de cada prova.
C.C: – Mas a correr começou quando e como?
H.C: – Foi aí há uns quatro anos, mais ou menos. Como?! Comecei como toda a gente começa, umas caminhadas, depois correr um quilómetro no meio de cada corrida, depois dois e por aí fora, depois fiz uma prova com oito quilómetros lá no Bairro de S. Miguel, já nem tenho bem a certeza.
C.C: – Começou só há quatro anos?
H.C: – Foi, passo dos 0, ou dos 8 quilómetros aos 1001 kms, em apenas quatro anos.
C.C: – Então provas assim de mais destaque nestes quatro anos?
H.C: – Provas emblemáticas tenho a PT 281 (281 quilómetros), tenho três provas feitas; Tenho o ALUT no Algarve, são 300 quilómetros, também está feito; Tenho o “OH Meu Deus”, 164 quilómetros, fiz este ano também; Fiz o FK 3 do Douro, Barca de Alva a Cinfães, 160 kms; e depois provas de 100 kms, tenho umas seis ou sete; e provas mais pequenas essas não têm conta (risos); Tenho duas maratonas, a ultima há dois anos em Aveiro; provas de 20 kms tenho, centenas delas.
C.C: – Mas teve algum impulso por alguém?
H.C: – Não, foi tudo assim muito sozinho quando começou. Depois já corria alguma coisa quando conheci o Romeu no Ginásio, ele é que me desafiou a fazer uma maratona, eu assim longa distância nunca tinha feito. Depois a partir daí também nunca mais parei…
C.C: – Então esse amigo do ginásio desafiou-o para a Maratona e qual foi a primeira Maratona que fez?
H.C: – Foi a do Porto.
C.C: – E aí correu bem?
H.C: – Correu, fiz 3h 30m para um amador e a primeira vez, foi um tempo excelente.
C.C: – E assim em termos de classificações, quais merecem destaque?
H.C: – Nas provas de endurance no meu escalão tenho ficado sempre bem classificado, sempre entre o sétimo e o décimo segundo, décimo quarto, do meu escalão. Porque nas provas de endurance, o mais importante quase sempre é chegar ao fim.
Nesta prova dos 1001 kms tinha 15 participantes quase todos chegámos ao fim, mas Sicó tem 111 kms, este ano tinha cerca de 380 participantes, só chegaram ao fim cerca de 120, duzentos e tal desistiram. Por isso todos os que chegam ao fim contam uma grande vitória.
C.C: – Mas para além da força física, o Hélio revela uma força psicológica muito grande. Onde é que vai buscar recursos para isso? Há alguma coisa que o inspire?
H.C: – Sim… tenho-me focado muito no meu pai, tem sido uma inspiração para mim e nos momentos mais difíceis é a ele que me agarro. Depois é uma questão de superação pessoal, quando a gente faz 20 a seguir quer fazer 30, depois 50, depois 100 e por aí fora e é sempre levar o nosso corpo e a nossa mente ao limite, tentar saber até onde é que a gente consegue aguentar. Mais do que o físico, o psicológico é muito importante. Se a cabeça não estiver bem…
C.C: – Já lhe aconteceu de estar preparado para uma prova e lhe surgir um constrangimento que o afetou?
H.C: – Aconteceu. Aconteceu quando estava inscrito para o La Lute. O La Lute é uma prova de uma semana, entretanto o meu pai adoeceu, foi internado e acabou por falecer uma semana antes da prova. Na altura eu ponderei se devia participar ou não, por um lado o choque, ter estado uma semana e meia sem treinar, foi tudo junto. Uma altura muito complicada.
C.C: – Não desistiu?!
H.C: – Na altura falei com alguns familiares e com a minha Mãe, a minha Mãe incentivou-me para ir e isso deu-me força também. A minha Mãe é a fã número um (risos).
C.C: – E a inspiração no seu Pai começou desde aí?!
H.C: – Acho que foi sempre, ele era e sempre foi o meu herói, a minha referência, foi ele que me ensinou a ser tudo, a me comportar, era uma pessoa muito querida por toda a gente, também, e era o meu pai, pronto.
C.C: – Imagine que tem um filho um sobrinho, alguém numa fase infantil ou da adolescência que começa a ter tendência para a obesidade, que é uma das mais preocupantes doenças hoje no nosso País. O que recomendava?
H.C: – Mais rua e menos casa. A obesidade infantil é um problema do nosso País, da Europa e do Mundo. Há vários fatores a contribuir para isso, a falta de tempo dos pais para estarem com eles, as refeições rápidas com base em fast food, cada vez temos mais cadeias alimentares desse género “McDonald’s, Burger King, pizarias etc.” junto com uma vida cada vez mais sedentária, tanto dos miúdos como dos próprios adultos.
Os miúdos hoje em dia não saem de casa, é só computador, só telemóvel, antigamente a Mãe chamava-nos para irmos para casa, agora a Mãe chama-os para irem para a rua e ninguém quer ir, as redes sociais são cada vez mais fortes, os jogos online. Isso tira-lhes rua e a rua faz muita falta. Por isso o que recomendo aos Pais e educadores é que lhes deem mais rua, mesmo que seja só para passear ou andar.
C.C: – Em termos desta sua atividade desportiva, o Hélio tornou-se uma figura pública, com algum reconhecimento em todo o País, acha que devia haver outro tipo de apoios, afinal leva consigo uma camisola de uma equipa e sempre uma palavra sobre Belmonte.
H.C: – Ao nível local não sei se devia haver mais apoios, porque dos que eu sei, sempre que há uma atividade desportiva desenvolvida por um clube, o município ajuda sempre. Naturalmente que levo o nome de Belmonte comigo porque faz parte da minha identidade…
Ao nível de Clube comecei por um Clube do Concelho, a quem sempre agradeço o apoio e entusiasmo, depois mudei para um clube de fora, não propriamente pelo género de apoios que são idênticos, mas pela visibilidade do próprio clube que é diferente. Porém não excluo de num futuro, que não será já este ano ou o próximo, mas depois voltar a integrar um clube do concelho.
Quanto ao tipo de apoios mais numa escala do Governo através do Ministérios ou das secretarias de Estado, acho que sim, mas tirando o que é futebol, não há para mais nada.
Para participar nesta prova dos 1001 kms, usei 15 dias das minhas férias e nas outras provas a mesma coisa, a entidade patronal não tem nada a ver com as minhas atividades desportivas.
C.C: – E com a família como é? Isto implica despesas, dias de trabalho perdidos, muito tempo fora de casa!?
H.C: – As provas são sobretudo ao fim de semana, tirando esta que foram 15 dias, sou eu que levo e trago o miúdo da escola, na Covilhã. Se não estou alguém tem de compensar. Às vezes é com muito esfoço e não é fácil de gerir. Ajudamo-nos uns aos outros, tem de ser e conto muito com o apoio de todos…
C.C: – Em termos de infraestruturas locais, são suficientes as condições que há para a prática desportiva, ou havia necessidades no que diz respeito ao atletismo?
H.C: – O atletismo é feito essencialmente na pista, numa pista de tartan, atualmente a única pista de tartan que existe é na Covilhã e já está bastante danificada e há outra no Sabugal, em Belmonte para treinar só pela estrada, com grande subida para a vila e depois descida. Para iniciados a única zona com algumas condições é a variante, mas sem grandes condições de segurança, mesmo para caminhar. O campo de futebol de Belmonte quando foi construído se tivesse integrado uma pista de atletismo seria bom, mas infelizmente não foi pensado assim, foi pensado só para o futebol, nem sei se era viável ainda alterar, mas que fazia falta, fazia.
C.C: – Faziam falta planos de desenvolvimento desportivos ao nível do concelho?
H.C: – Eu acho que tudo passa pelos clubes e pelo movimento associativo do concelho. Em Belmonte não há coletividades vocacionadas para o atletismo. Se surgir estou convencido que o município apoia. O Colmeal da Torre está a apostar na Escola de BTT, acho que é por aí que as coisas devem começar, com as camadas jovens, a apostar na formação e na preparação de atletas em todas as modalidades.
C.C: – A conversa vai longa e interessante, mas prosseguindo pelo seu percurso. O Hélio tornou-se agora lendário com mais este desafio fica para a história do endurance nacional no Portugal Lendário, mas não vai parar. O que se segue?
H.C: – É já para a semana uma prova de 14 quilómetros em Viseu, é praticamente um treino par ajudar o corpo a reagir. Depois é a Prova do Marão dia 8 de novembro, que são 110 quilómetros, depois vou ao Pisão, no final de novembro, são 65 kms com sete mil de acumulado (7 kms de subida). Depois não tenho assim mais nada agendado, mas surgirá com certeza (risos).
E Despedimo-nos com este clima de Boa Disposição.