Entrevista com Rodrigo Bernardo, um Talento Musical que segue Engenharia

Rodrigo Bernardo, 23 anos, natural e residente na aldeia de Inguias. A concluir Mestrado de Engenharia em Automação Industrial, na Universidade de Aveiro, onde quer seguir doutoramento e investigação. É, porém, no domínio da música que é mais conhecido na região, pela presença em vários grupos musicais e como antigo maestro da Banda Filarmónica de Caria, atividade que exerceu durante cinco anos. Uma vida muito jovem, mas plena de experiências, vivências e convivências que é importante registar.

Jorge Henriques Santos

Correio de Caria – Nasceu aqui nas Inguias e cresceu. Há quantos anos?
Rodrigo Bernardo
– Sim há “ó Mãe eu fiz anos agora foi 23 não foi?” … (Risos a indicar que começamos bem). Com efeito assim foi e fiz os primeiros dois anos de escola aqui. Entretanto a escola aqui fechou e fiz o resto do ensino básico no Carvalhal Formoso. Fiz lá o terceiro e quarto ano.

C.C. – Depois foi para Belmonte?
R. B.
– Sim e dali já só saí para fazer o 12º ano, na escola da Quinta das Palmeiras na Covilhã, porque cá não havia a minha área de ensino.

C. C. – E depois?
R.B
-Depois fui para a UBI onde fiz a Licenciatura em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores. Há dois anos fui para a Universidade de Aveiro, onde estou a fazer o Mestrado em Automação Industrial. Trabalho na área da robótica, automatizações, controlo automático etc.

C. C. – Está a concluir?
R.B.
– Sim possivelmente quando isto for publicado já terei concluído, vou defender a dissertação de Mestrado na próxima semana. Estou lá inserido em projetos de Investigação e pretendo continuar lá a fazer o doutoramento.

C. C. – E em termos de notas?
R.B.-
Tem corrido bem… conclui a licenciatura com 17,8 valores, não sei ainda o resultado do mestrado pois efetivamente ainda não está concluído, mas conto aí com 18/19….

C. C. – Porém a maioria das pessoas, conhecem-no sobretudo no domínio da música, como começou?
RB.-
É engraçado que muita gente aqui no concelho pensa que eu vivo e estudo no meio musical, por aparecer envolvido em vários projetos musicais, mas a minha via profissional é a engenharia, a música é, foi e será um hobby. Um hobby que faz falta para viver e quero sempre continuar.

C. C. – Nessa área como é que tudo começou?
R.B.-
A minha aprendizagem foi quase toda na Escola de Música de Belmonte (Escola de Música do Centro Cultural Pedro Álvares Cabral). Mas para fazer a história desde o princípio, na altura havia na escola primária aquelas Atividades Extracurriculares, onde dávamos algumas noções musicais e o professor que andava cá, descobriu que eu tinha uma certa facilidade em trabalhar a parte rítmica e no final do ano letivo, veio aqui falar com a minha Mãe dizer-lhe “que era uma pena, tinha demonstrado algumas capacidades, tinha jeito, etc… Devia ir para a escola de Música”.

C. C. – E então?!
R. B.
-A minha Mãe teve uma conversa comigo “gostavas?” e eu “porque não?! logo se vê”. Lá fui experimentar e nunca de lá saí, até acabar o 8º grau que é o equivalente ao 12º ano.

C. C. – E o ensino era articulado?
R. B. – Sim até ao 9º ano de escolaridade eles tinham o ensino articulado, eu fazia umas disciplinas no Agrupamento Escolar e outras na Escola de Música. O ensino da música faz parte da formação académica.

C. C. – E depois do 9º Ano?
R. B
. – Depois do 9ª ano já não havia o protocolo do articulado, continuei, mas isso já às custas aqui do Pai Bernardo …risos, no regime supletivo.

C. C. – Fez então o 12º ano, com o 8º grau na Escola de Música.
R. B.
-Sim e depois já não segui mais nessa área, fui para a parte da engenharia, foi uma escolha que na altura eu tive de fazer. Segui a via que na altura me pareceu vir a dar mais estabilidade.

C. C. – Mas mantendo sempre a atividade musical?
R. B.
– Sim, sempre. Ia participando nos eventos da escola de Música e estava na Banda Filarmónica de Caria.

C. C. – Com que idade é que veio para a Banda?
R. B.
– Boa pergunta (pediu ajuda novamente à Mãe), com 13 anos.

C. C. – E como foi essa situação de ir par a banda de Caria?
R. B.
-Tinha um rapazito da minha turma que andava lá. Tinha mais gente conhecida que andava lá também, havia um Sr. da Guarda que ainda lá anda e na altura se dispôs para me dar boleia, também era uma ajuda em termos de transporte.

C. C. – Na Banda começou a tocar o quê?
R. B
. – Na escola já tocava clarinete, sempre toquei clarinete. Na altura eu não fui para a Banda para aprender, fui sobretudo para praticar no Verão. Porque no Verão a escola fecha e a gente na banda sempre ensaia e sempre toca, sobretudo até com as festas de verão.

C. C. – E isso tornou-se numa paixão!?
R. B
. – Sim, para mim a Banda é ainda hoje das formações favoritas. Banda Filarmónica e Orquestra de Sopros, são para mim as formações preferidas…

C. C. – Começou lá a tocar e de repente ficou como regente da Banda, como foi?
R. B.
-Andei lá uns três anitos só a tocar, fui ganhando confiança com as pessoas, fui mostrando o que sabia e não sabia, entretanto aí com 16 anos e assim sem contar, eles ficaram sem maestro põem sempre a questão internamente de quem quer ficar à frente e se não tiver formação eles ajudam, ninguém quis. Na escola de música já eu andava e acabei sendo empurrado para a frente.

C. C. – Mas tinha só 16 anos!?
R. B
. – Pois, foi um desafio, tive de ponderar e decidi arriscar, depois foi toda uma aprendizagem, a liderança, a organização, o aprender a lidar com as pessoas; pessoas de várias idades, de várias profissões… Ter desenvolvido essas capacidades, agora também me ajuda para o resto da vida, tornou-me muito mais confiante e capaz de me envolver na sociedade…

C. C. – Não se sentiu de algum modo posto em causa, assim em nenhuma ocasião especial?
R. B.
– Ao início sim, até porque as pessoas questionavam-se “então, mas nós agora estamos a ser dirigidos por um garoto?!” kkk. Houve quem duvidasse das capacidades, mas foi um risco que a direção correu e que eu decidi correr também.

C. C. – Até na autoridade?!
R. B.
– A autoridade numa coisa destas é afirmada por se ter conhecimento musical, eu tinha de demonstrar às pessoas que tinha conhecimento musical, a partir daí é só guardar respeito e ser respeitados. Foi uma aprendizagem, só tinha de aprender a lidar com as pessoas. A gente faz uma observação, se percebe que a pessoa não aceitou bem na próxima vez faz de outra forma…

C. C. – Quantos elementos e qual era o leque de idades que tinha a Banda de Caria.
R. B
. -Eram cerca de 28 elementos, de ambos os sexos, tinha lá gente com 14 anitos, até aos setentas e tais. Mas depois como tínhamos uma banda pequena eu sempre toquei, dava a entrada e normalmente entrava na marcha.

C. C. – Onde houve bons momentos de glória segundo sei, nomeadamente dirigindo várias bandas numa atuação ?!
R. B.
– O que referiu de dirigir várias bandas, aconteceu em Atouguia da Baleia, próximo de Peniche, fomos lá a um encontro de Bandas onde estavam presentes várias bandas filarmónicas e os maestros viram que eu me estava a estrear naquelas andanças, combinaram-se e para aquela peça conjunta disseram “hoje vai ser o mais caloiro a dirigir”, Não fui eu que me cheguei à frente, eles é que me empurraram e deram essa oportunidade de dirigir um coletivo com cento e tal músicos.
Depois assim de grande desafio foram os concertos de Natal, foi uma grande luta da minha parte que era criar oportunidade para levar outro reportório. Nós precisávamos de pôr a fasquia um pouco mais alto, não eram coisas muito eruditas, mas fazer um concerto na Igreja com obras mais clássicas. Como eu andava metido em muitas coisas também era fácil trazer músicos mais preparados que nos viessem ajudar. Não foi fácil convencer as pessoas, mas eu também sou teimoso, o primeiro resultou e depois as pessoas nos anos seguintes já estavam motivadas. Já era outra coisa! Esses concertos de Natal, começávamos a prepará-los em setembro.

C. C. – Foram ainda cinco anos que esteve à frente da Banda de Caria, dos 16 aos 21 anos. O que colheu dessa experiência?
R. B.
-O aprender a lidar com as pessoas que já referi; A capacidade de organização que tive de desenvolver, o sentido de responsabilidade, porque fui responsável por muitas coisas, muito antes do que as pessoas da minha idade costumam ser, se alguma coisa corria mal … era eu…; Depois na música tive também de desenvolver algumas capacidades, fazer arranjos, adaptar as partituras aos instrumentos que dispunha.
Em paralelo com isto fui sempre participando em vários eventos de estágios de orquestra: Fundão, Trancoso, Meda, Aguiar da Beira etc. tudo o que aparecia. Eu ia tocar, mas também estava sempre atento aos outros maestros, na atitude que tinham, a forma como dirigiam, como superavam problemas. Aprendia com eles para praticar aqui…

C. C. – Entretanto deixou a Banda!?
R. B.
– Deixei a direção da Banda, mas não deixei a Banda, continuo a fazer parte como músico, vou aos ensaios sempre que posso e vou tocar. Simplesmente fui estudar para Aveiro, durante a semana não estou cá, não podia manter essa responsabilidade. Desde o Covid, que não fiquei eu. Há um novo maestro, meu amigo e colega de Manteigas que está agora a dirigir a Banda.

C. C. – E sente-se bem neste papel agora de não dirigir a banda e ser dirigido?
R. B
. – Sinto, já tinha saudades, também era giro dirigir o grupo, mas estar a tocar sem ter outras responsabilidades permite viver melhor o momento.

C. C. – Como está a ser a retoma após o Covid?
R. B.
-Esta coisa dos levantamentos das restrições do Covid foi assim muito de repente. As pessoas estiveram cerca de dois anos sem ter saídas e sem sequer poder ter ensaios, porque elas durante muito tempo não se podiam juntar. Isso em músicos que não são profissionais tem muito efeito. Tem efeito ao nível do treino, mas também ao nível da resistência, se as pessoas não tocam os músculos da boca ficam mais flácidos e elas têm dificuldade em tocar. Só quem anda nestas coisas consegue avaliar o que é um músico estar dois anos sem tocar. Foi por isso que este ano as atividades da Banda foram limitadas. Também é importante um coletivo ter capacidade de avaliar se está em condições ou não, para tocar em público.

C. C. – Mas aos poucos a atividade está a retomar, ou não?
R. B.
– Está difícil, sobretudo as pessoas de mais idade acomodaram-se, já tinham o hábito de dizer “Isto já não é para a minha idade” e agora acomodaram-se e também há estas dificuldades em recomeçar, precisávamos aqui outros impulsos.

C. C. – Para além da Banda, o Rodrigo tem marcado presença noutras composições. Vamos referi-las!?
R. B.
– Uma das mais marcantes foram os Ponto 4, a princípio era para ir fazer uma atuação ou duas, depois eu mostrei-me motivado e houve ali logo uma integração, tínhamos todos ligações à música, com vozes e guitarras, mas com arranjos bastante trabalhados; também toco no grupo de Cantares da Toca da Moura; participo nas Marchas Populares; Cantar as Janeiras; Arruadas; Temos a Fanfarra da Banda de Caria; Acompanhar o Coro da Igreja de Caria; Representações da Escola de Música de Belmonte. Tenho estado um pouco em tudo o que é para valorizar culturalmente a vila de Caria e o concelho.
Mas eu não me considero como músico para viver da música ou ganhar dinheiro. Considero-me uma pessoa da cultura e a música é uma forma de eu estar a participar nessa cultura.

C. C. – Perspetivas de Futuro?
R. B.
– A que nível?

C. C. – A todos!
R. B.
– Então ao nível profissional é manter-me dentro da Universidade, vou fazer o doutoramento e quero continuar na investigação, quem esteja na investigação terá também obrigatoriamente que dar aulas. A nível da música pretendo continuar a aproveitar o tempo livre que tiver, para continuar a alimentar este bichinho e a contribuir culturalmente na minha terra.

C. C. – Mas não tem perspetivas de ir para fora, fazer uma carreira mais arrojada…?
R. B.
– Não, não. Tanto eu como o meu irmão o nosso objetivo é muito por aqui, dar continuidade ao negócio da família e investir na terra, acho que é bom a gente ir lá fora adquirir conhecimentos e ganhar experiências para aplicar cá
Posso eventualmente um dia que tenha uma vida mais estável, ajudar a movimentar aí alguma coisa, pois há muita coisa a precisar ser movimentada. Isto não pode ser só bola e bailaricos, embora isso também faça falta, mas não pode ser só isso. Há muita coisa que precisa ser feita. Como exatamente ainda não sei porque também não sei como tudo vai evoluir.

Foi com este sentimento de determinação e esperança que nos despedimos do Rodrigo Bernardo, nas Inguias- Belmonte.

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