Entrevista com o JOLON

Se anunciássemos o nosso entrevistado desta edição pelo seu nome: José Lopes Nunes, aos nossos leitores pouco diria, mas se anunciarmos JOLON, muitos dos nossos leitores residentes ou naturais dos concelhos da Covilhã, Belmonte, Penamacor, Sabugal, Fundão, sabem que se trata de um paladino que durante décadas deu voz em vários jornais regionais e nacionais ao seu povo de Penamacor.
Com 76 anos de idade JOLON retirou-se da presença efectiva nas páginas dos jornais e fechou a sua retrosaria, tão pobre como começara e tão rico como os ricos homens que se orgulham da grandeza do seu percurso e desfrutam dessa grandeza na gratidão que, por onde passa. todos lhe reconhecem….

Jorge Henriques Santos

Correio de Caria – Onde nasceu?
José Lopes Nunes – Eu nasci nas Aranhas há 76 anos.

C. C. – O que faziam os seus Pais?
JOLON – Eram comerciantes, tinham uma mercearia e uma taberna e comerciavam também vários produtos agrícolas e drogaria também.

C.C. – Quantos irmãos eram?
JOLON – Erámos e somos três.

C.C. – Onde fez a instrução primária?
JOLON – Fiz a instrução primária em Aranhas, depois fiz o secundário, no seminário do Verbo Divino no Tortosendo.

C.C. – Em Internato?
JOLON – Sim lá eramos internos, fiz lá até ao sétimo ano. Depois cá fora fiz o nono.

C.C. – Em termos profissionais quais foram as suas atividades e quando começou?
JOLON – Depois parei de estudar e fiquei a ajudar os meus pais lá no comércio até ir para a tropa.

C.C. – E a escrita como é que começou, em que contextos?
JOLON – Acho que foi desde sempre (risos). Havia na altura o Diário Popular e quando havia assim qualquer coisa que eu não concordava, vai…escrevia um texto a relatar a situação e mandava.

C.C. – E eles publicavam.
JOLON – Publicaram quase sempre, como carta ao diretor.

C.C. – Recorda assim algum caso?
JOLON – Olhe um foi quando a distribuição do correio aqui se fazia de Penamacor para as aldeias, havia um carteiro que ia de burrinho. Então saiu um aviso a certa altura que quem se quisesse candidatar àquele lugar tinha de se comprometer a ir a pé e tinha de arranjar um fiador de não sei quanto dinheiro. Olha aquilo caí-me mal e, com o devido respeito, sempre com educação escrevi para o Diário Popular a mostrar a minha indignação.

C.C. – Isso foi em que ano?
JOLON – Isso foi aí nos anos 50/60.

C.C. – E com que mais jornais colaborou?
JOLON – Ainda escrevi várias vezes para um jornal que cá havia que era da paróquia.

C.C. – Como se chamava?
JOLON – Era o Conselho de Penamacor, depois escrevi para um semanário que havia em Castelo Branco que era o Beira Baixa, que acabou com o 25 de Abril.

C.C. – Era de quem?
JOLON – Era aí de um Garrett, gente afeta ao regime, por isso fechou. Eu era o correspondente das Aranhas. Ao fim de semana vinha a casa inteirava-me do que havia e lá escrevia.

C.C. – E rádios também?
JOLON – Nas rádios não, tive ainda aí uma colaboração com um individuo duma rádio, mas efetivamente não. Agora assim mais a sério foi como o Jornal do Fundão. Ah e esquecia-me, então o Jornal do Tózé Seguro, também ainda escrevi para lá uma porrada de tempo.

C.C. – Com se chamava esse?
JOLON – A Verdade de Penamacor.

C.C. – Mas foi pouco tempo!?
JOLON – Não ainda saiu bastantes anos e ainda escrevi também para um Jornal da Guarda que se Chamava Douro e Neve. Ah do Diário de Notícias também fui correspondente uma série de anos.

C.C. – E Mais?
JOLON – Bem depois aqueles boletins e revistas das associações que sempre que havia uma vinham pedir colaboração.

C.C. – E pagavam-lhe alguma coisa?
JOLON – Não pagavam nada… Tirando o Diário de Notícias e o Jornal do Fundão, era tudo à barba longa, nenhum nunca pagou nada.

C.C. – Mas com o Jornal do Fundão é que foi mais tempo?!
JOLON – Foram 42 anos.

C.C. – E como foi essa descoberta?
JOLON – Por acaso é curioso porque o meu primeiro contato com o Jornal do Fundão foi em Angola quando estava na tropa, através de um furriel miliciano meu amigo que recebia lá o jornal. Eu vi e fiquei a gostar muito daquele jornal. Quando cá cheguei a primeira coisa que fiz foi escrever para lá. Mandei uma carta ao António Paulouro a oferecer-me como correspondente de Penamacor para o Jornal.

C.C. – Isso em que altura?
JOLON – Algum tempo antes do 25 de Abril, na altura o jornal tinha aqui apenas dois assinantes em Penamacor. Eu comecei daqui a mandar noticias, a vender jornais e a fazer assinaturas. Tivemos aí mesmo muita gente a assinar o Jornal. Depois com o 25 de Abril então, oh…, o jornal já vinha conotado com a oposição ao regime.

C.C. – O 25 de Abril como foi por aqui?
JOLON – Foi esta participação toda, com o MFA, o PREC, os Partidos, as Eleições e eu fui o primeiro individuo a fazer cobertura de tudo o que eram sessões publicas, desde as partidárias, assembleias, sessões, até tudo o que eram reuniões das autarquias.

C.C. – E como tem sido a sua relação com a classe política e as elites locais?
JOLON – Há uma coisa curiosa que você deve saber tão bem como eu. Está sempre tudo muito bem se a gente escreve a favor deles. Se por alguma razão a gente escreve ou dá voz a uma oposição critica é logo o diabo. Não foi por acaso que uma vez me furaram os pneus do carro e noutra vez me pegaram o fogo na roupa que a minha mulher tinha no estendal.

C.C. – Como assim?
JOLON – A mulher tinha a roupa a secar no estendal e foram lá pegaram-lhe o fogo estava aquilo tudo a arder quando à meia noite alguém veio bater á porta para alertar senão ardia tudo, entrava pelas janelas que estavam abertas e pegava-nos o fogo à casa toda. E outras coisas que a si também deve já ter acontecido como cartas anónimas e telefonemas a dizer, “tu tens um filho, tens mulher…tem cuidado…”

C.C. – São ossos do ofício!
JOLON – Pois, mas o que se ganha não compensa isso?!

C.C. – Há assim mais algum episódio curioso que recorde e gostasse de relatar?
JOLON – Eu sei lá há tantos que assim de repente. Mas por exemplo, eu tenho esta idade agora, no 25 de Abril tinha trinta e poucos anos, estava na força da idade, já tinha ido à tropa e ao ultramar, mas nessa ocasião para nós a política era zero. Na ocasião ainda havia aqui militares no quartel e era costume fazer-se isso em todas as terras, nós também juntámos um grupo e fomos ao quartel fazer uma homenagem aos militares por terem derrubado o regime. Na nossa boa fé fomos convidar para falar em nome do grupo, o Sr. António Martins da Cruz, um senhor que estava cá, sabia falar, mas tinha sido deputado no regime anterior e que aproveitou da situação. Porém estava também o Sr. António Petronilho e um Sr. de Aldeia do Bispo que eram da oposição ao regime e salvaram a situação. O António Paulouro estava cá e assistiu a essa situação toda que depois a noticiou e gerou uma grande polémica entre ele e esse Martins da Cruz.

C.C. – E essa participação social levou-o alguma vez na tentação da participação política?
JOLON – Nunca me filiei em partido nenhum, mas fiz parte da primeira Junta de Freguesia de Penamacor, eleita democraticamente, era o secretário da Junta, mas o mandato era de três anos na altura e eu estive só dois anos e saí.

C.C. – Demitiu-se porquê?
JOLON – Por um episódio que se passou eu não concordei e saí. Na altura as pessoas pediam atestados de pobreza para arranjarem as pensões. Passados uns tempos veio uma pessoa que veio pedir que lhe passasse um atestado em como ela trabalhava em casa da filha em Lisboa. Ora eu não podia atestar que ela trabalhava fosse lá onde fosse em Lisboa e disse à senhora que a atestar seria a Junta de Freguesia de lá. A mulher ficou danada e dizia mal de mim em todo o lado. Passados uns dias a senhora aparece-me aí com o atestado passado pelo Presidente, ela foi ao tesoureiro e assinou também. Eu disse então não sou eu o mau da fita, disse “eu assino, mas é o último que assino” e acabou pedi a demissão. Saí e na altura jurei que em Penamacor não entraria em mais lista nenhuma. Mais tarde ainda vim a estar dois mandatos como presidente da Assembleia de Freguesia, mas nas Aranhas, a minha freguesia de naturalidade.

C.C. – Também como independente na lista do PS?
JOLON: – Sim, mas depois deixei de ir também na lista porque um membro do PS nos traiu também e eu disse, não vou mais em lista nenhuma. Depois tive aí uma polémica viva com o Válter Lemos que na altura era do CDS, atacou-me forte e feio por eu estar com os do PS, depois passou-se para o PS e eu desacreditei do PS e de todos, é tudo a mesma camarilha.
C.C. – Em termos jornalísticos o JOLON, fez alguma formação nesta área, alguma vez o convidaram para lhe proporcionar algum apoio e aperfeiçoamento?
JOLON – Não nada, foi sempre como autodidata, quer na escrita quer na fotografia.

C.C. – Mas a comunicação está-lhe nas veias, a sua página de Facebook é disso testemunho! Tornou-se num vício?
JOLON – Claro que é, às vezes saio com a minha mulher e a família e sem querer lá estou a tirar uma fotografia ou a escrever sobre esta ou aquela situação e a mandar para um jornal, ou a publicar no Facebook. Eu não tenho compensação nenhuma financeira em relação ao Facebook. Mas tenho outras compensações, ainda hoje de manhã fui ao mercado e vi três senhoras idosas da minha terra, sentadas lá num banquinho, tirámos uma fotografia, vai para o Facebook uma delas disse logo que era para a netinha ver lá na França. Na minha aldeia, as Aranhas, em Aldeia do Bispo, Salvador, o concelho de Penamacor ou até ali na Espanha que as pessoas vêm-me abordar e dizer “éh pá gostei mesmo daquela reportagem que tu ali fizeste”.
A primeira reportagem que se fez na RTP sobre o Madeiro de Penamacor, fui eu que trouxe cá o Ângelo Gonçalves, isto em 74 ou 75, logo após o 25 de Abril.

C.C. – Então já vem daí o conhecimento da tradição?
JOLON – A tradição já vem de muito antes, mas a partir daí ganhou-se outra projeção. Mas, entre muitas outras, uma história que me marcou muito, aconteceu aqui há um ano quando um senhor me aborda ali no Madeiro, um rapaz novo e disse “oh amigo JOLON” eu não o conhecia, “dê cá um abraço, venho aqui para ver o Madeiro por sua causa, estou encantado”, veio de Lisboa de propósito. Dias depois tocam a campainha em minha casa e veio um senhor já de uma certa idade e disse “eu sou da Aldeia de João Pires, vivo no Canadá, vim cá para me despedir que eu já não devo cá voltar e venho lhe agradecer as noticias que você põe no Facebook”, então trouxe-me uma pagela com uma oração a S. José, sabendo que eu sou também José, com uma miniatura de S. José e um porta-chaves também de S. José e o homem desata a chorar.

  • Emocionado e com os olhos alagados JOLON diz: – Para que é que eu preciso de dinheiro, há maior compensação do que é esta? Isto é um dos motivos que me obriga “entre aspas” para que eu o continue a fazer. Já viu o que é uma pessoa estar isolado lá longe e receber uma notícia da sua terra…?

C.C. – Atualmente conta já a bela idade de 76 anos ainda colabora com alguns ocs.?
JOLON – Estou a participar numa revista nova da ADRACES que está ligada à Academia Sénior de Penamacor e é uma revista que vai sair de três em três meses, havia uma revista que era “VIVER” e agora vamos relançá-la com o nome REVIVER, sou eu, o Dr. Lopes Marcelo e mais três pessoas. E podem contar que irei fazer também algumas coisas para vós…

C.C. – E há os livros!?
JOLON – Os livros saíram estes dois com “As Estranhas e Fantásticas Histórias de JOLON”, é capaz de se arranjar matéria ainda par um terceiro, vamos ver.

C.C. – Que são uma recolha de coisas publicadas em Jornais!?
JOLON – São sobretudo histórias de vida sobre várias pessoas daqui da região, nomeadamente com profissões que estavam a desaparecer e que eu publiquei ao logo destes 42 anos no Jornal do Fundão.

C.C. Então e a fotografia?
JOLON A fotografia foi no seminário, por causa de um padre Silvio Damasceno de Oliveira, brasileiro, que era um fotógrafo excecional, nessa altura o homem já conseguia fazer fotografia a cores
.
C. C -Em que altura?
JOLON Eu tinha 14 anos… há 60 anos. Tenho uma fotografia em que como eu também era assim brincalhão, tinha um plover vermelho e uns calções azuis e peguei numa bola de borracha também vermelha, pús um nagalho de cebolas ao ombro e pronto, tire-me a fotografia! e tirou, Essa foto, fez a primeira página de uma revista católica que era Horizontes creio, eu ainda a tenho a cores linda. Entusiasmei-me e ganhei essa paixão quando sai de lá passeia fazer fotografias com uma máquina emprestada, fazia e vendia. Depois foi na tropa, já tinha uma máquina minha, uma Kodak e enquanto eles andavam a capinar o campo eu tirava-lhes fotografia e vendia-lhes,, para mandarem para a família… risos.. Ainda ganhei uns tostõezitos com aquilo e assim me ficou este vicio

C.C. – Por último a nossa região do interior, em 1950 Penamacor tinha cerca de 18 800 habitantes, agora tem cerca de 5200, números de 2011. Como tem assistido a esta debandada?
JOLON – Tenho assistido com muta angústia, olhe depois de muita luta acabei por fechar a minha loja o mês passado. Eu fechei a loja sobretudo por me imporem tanta porcaria, eu tinha ali artigos já com mais de 50 anos, como é que eu ia introduzir aquilo no método moderno dos registos que eles agora impõem…? Agora se alguém quiser comprar um carro de linhas, não tem em Penamacor onde o comprar, tem de ir a Castelo Branco, ou ao Fundão. É triste!!

C.C. – Esta desertificação, porque aconteceu?
JOLON – Aconteceu como em todo o interior do País e até na Espanha e já começou há muitos anos, não é só de agora. O que é que as pessoas ficavam cá a fazer, a trabalhar com uma enxada e a viver na miséria, foram-se embora, com o tempo deixaram de vir porque as acessibilidades também não são fáceis e os filhos também deixaram de ter contato com a terra, nunca mais voltam…

C.C. – Vai chegar a um ponto que já nem velhos haverá nestas terras. Como se pode contrariar este ciclo para o interior não ficar despovoado?
JOLON – Há aqui agora um fenómeno que pode ser uma ajuda, mas não vai resolver o problema, que é o fato de um certo número de estrangeiros se terem vindo fixar aqui e fazerem cá vida, já são mais de 500 estrangeiros a viver no concelho de Penamacor. Estes estrangeiros estão-se a integrar bem e têm crianças o que pode vir a dar uma certa vida. Mas é insuficiente e vai ser muito difícil, eles demoraram muito tempo a tomar medidas, deixaram-se andar muitos anos e é demasiado tarde
C.C. – Ultimamente há um discurso sobre o Interior e este Governo tem até uma secretária de estado para a valorização do Interior. Acha que vai sair daí alguma coisa concreta?
JOLON – Eu já estou como S. Tomé, só depois de ver para crer. Até agora ainda não dei conta de nada. Vamos a ver… Há quantos Governos andam a prometer que a via férrea ia ser eletrificada e ia chegar à Guarda. Parece que só agora é que há qualquer coisita e os prazos falham sempre.

C.C. – Um voto, ou um desejo nesta entrevista, esta região e a sua terra?
JOLON – A primeira é que não nos chegue cá o coronavírus, senão é que acaba com isto de vez. A outra é que se comece a olhar para a nossa região como deve ser, nós temos pessoas com valor e produtos com potencial. É preciso é que resolvam a A/23 (abolir as portagens); deem incentivos para quem cá vive, os que para cá venham e também os que já cá estão, pois esses é que foram os resistentes.

C.C. – Muito Bem. Obrigado
JOLON – Eu é que agradeço.

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