Era uma casa caiada de branco e grossas paredes de pedra, com entrada rasteira ao nível da rua.
Num nível inferior e com entradas distintas, havia dois anexos, um com o lagar e o outro com a adega; a um dos lados, uma palheira para o macho, um cortelho para a criação de porcos e um galinheiro.
Logo à entrada, no soalho de madeira de pinho, havia uma cantareira decorada com folhas de jornal, onde estavam colocados, entre outros, os pratos, as malgas e os cântaros de barro com a água que se ia buscar ao chafariz público; os quartos eram muito pequenos, onde mal cabia a cama de ferro com colchão de palha; na cozinha havia um lanço de escadas para o sobrado que se estendia por toda a casa; a sala estava mobilada com móveis de madeira, uma cómoda, uma mesa e o guarda louças.
A cozinha e a lareira eram o coração e a verdadeira alma da casa. Era na lareira em chão de pedra, sem chaminé, que se cozinhavam as refeições nas panelas de ferro fundido com três pernas, conferindo um sabor único e singular à comida.
Antes de ser utilizadas pela primeira vez, as panelas eram temperadas (“feitas”) para garantir uma vida útil e um bom desempenho na cozinha.
Depois de “feitas” mantinham-se junto ao lume com água ou com os ingredientes para as refeições, por norma, o caldo, batatas com legumes da horta, feijão grande ou pequeno com couves ou sem elas.
No inverno comia-se junto à lareira; O dia começava com o almoço (primeira refeição da manhã), seguia-se o jantar (o que é hoje o almoço) por volta do meio-dia, e terminava com a ceia (o actual jantar).
Junto ao lume, para além das panelas de ferro estavam sempre as “tanazes”, a vassoura de giesta e o abano. Este para avivar as brasas e a vassoura de giesta para varrer as cinzas acumuladas na pilheira e no chão da lareira.
Encostada à lareira e imediatamente atrás, situava-se a pilheira, coberta com uma grande pedra de granito, negra do fumo, negra como o carvão. As achas incandescentes crepitavam, lançando faúlhas cintilantes para o ar; o fumo e as funiscas circulavam livremente pela cozinha; o fumo esfumava-se pelo telhado e as funiscas pousavam no chão ou nas pessoas, como se fossem flocos de neve; as paredes ficavam negras em pouco tempo, à espera de serem novamente caiadas na Páscoa.
Acima da chama pendiam do telhado as cadeias que sustentavam, também, as panelas de ferro e as caldeiras, suspensas sobre o lume. Nas caldeiras eram cozinhadas as viandas para os porcos que iam engordando até à matança.
Depois de morto, o porco era desmanchado. Os enchidos (chouriças, morcelas, mouros e farinheiras) enfiavam-se nas varas do fumeiro, para secar ao calor do lume e ao fumo; os presuntos e a carne sobrantes iam para a salgadeira.
Era para a pilheira que deitávamos os dentes de leite, à medida que iam caindo, na esperança que a pilheira nos retribuísse um dente são em troca do dente podre. O lançamento do dente para a pilheira devia ser acompanhado da seguinte ladainha: “Pilheirinha, pilheirão, toma lá este dente podre e dá-me um dente são”. A cozinha era a mais pequena divisão da casa, a única aquecida nos dias frios de inverno.
A lareira da minha avó, a quem o meu avô tratava por patroa, era mais do que uma fonte de calor; foi a guardiã de costumes, tradições, história, memórias do mundo rural, e de calor humano.
A tradição de se reunir à volta da lareira para disfrutar da companhia uns dos outros, família e amigos, repetia-se de geração em geração; por lá passaram várias gerações.
O calor do lume, a chama e a luz mortiças da candeia, que se mantinha acesa, enquanto ardia o azeite ou petróleo na ponta da torcida (pavio), criavam, na penumbra, um ambiente de conforto e afectos. As crianças, sentadas no seu banquinho, tinham um cantinho reservado só para elas. Tive o privilégio de ser uma dessas crianças, na casa dos meus avós.