Chegou às minhas mãos a Agenda do Professor Primário do ano de 1960-1961, coordenada pelo Professor Artur Pedro Centeno e edição da Porto Editora.
Trata-se de uma pequena agenda de ajuda aos professores da época que, segundo a Porto Editora “começa a ter história, uma pequena história, naturalmente”, e “ estamos em crer que os serviços que já prestou são a garantia daqueles que poderá ainda prestar”.
Este instrumento de consulta obrigatória e de apoio ao professor, olhado à distância do tempo, transporta-nos ao território da infância, impõe-se pela dimensão temática e diversidade documental e remete-nos para uma realidade educativa que já passou.
Do conjunto de muitos e variados assuntos contidos na agenda, abordo, apenas, os que me suscitaram mais interesse do ponto de vista sociocultural.
A agenda reproduz o decreto-lei nº 42994 de 28 de maio de 1960, que tornou obrigatório o ensino primário, constituído por 4 classes, para os menores de ambos os sexos, com idade compreendida entre os 7 e os 12 anos.
No Estado Novo, só era obrigatória a 3ª classe. Em 1956, tornaram-se obrigatórios os quatro anos de escolaridade apenas para os rapazes e só depois, em 1960, para as raparigas.
O decreto-lei 38969 de 27 de Outubro de 1952 previa um tratamento desigual e dispensa da obrigação de frequentar o ensino primário os “menores incapazes por doença ou defeito orgânico ou mental”, bem como os “que residam a mais de 3 Km de qualquer escola oficial ou particular gratuita, desde que não lhes seja assegurado o transporte gratuito”. Aqui está claramente expressa a injustiça e descriminação social para com os mais desfavorecidos. O estado moralista que impunha o ensino e a aprendizagem, mas deixava de fora, os coxos, aleijados e indigentes. A criação de uma rede de escolas do ensino primário, cobrindo o conjunto do território nacional, nomeadamente as zonas rurais mais recônditas, veio reforçar a obrigatoriedade do ensino. Seja feita justiça!
No País e Estado Novo de Salazar, a partir de 1936, as professoras primárias que se quisessem casar tinham de pedir autorização ao Ministro da Educação Nacional.
O decreto-lei, nº 27279 de 24 de Novembro de 1936 dizia no seu artigo 9º: O casamento das professoras não poderá realizar-se sem autorização do Ministro da Educação Nacional, que só deverá concedê-la nos termos seguintes:
1º – Ter o pretendente bom comportamento moral e civil
2º – Ter o pretendente vencimento ou rendimentos, documentalmente comprovados, em harmonia com os vencimentos da professora.
Estas normas parecem ditadas pelo propósito de instituir a professora primária como uma referência moral junto dos alunos e submissa ao poder do marido e do estado ditador, controlador e paternalista.
A agenda também informava os professores sobre os procedimentos a adoptar em situações de doenças de carácter contagioso. O professor era obrigado a declará-las imediatamente ao seu superior hierárquico, bem como zelar pelas medidas de prevenção e controlo do contágio. Consoante a “espécie mórbida”, assim variava o tempo de afastamento dos doentes da escola (evicção escolar):
Coqueluche – 21 dias; Difteria – 30 dias; Disenteria – 21 dias; Escarlatina – 40 dias; Rubéola – 8 dias; Sarampo – 15 dias; Tinha e tracoma – após a cura; Trasorelho (papeira) – 22 dias; Varicela – 12 dias; Varíola – 10 dias depois da cura.
Hoje temos internet, redes sociais e motores de busca, onde, à distância de um click divulgamos e obtemos a informação que se necessita no momento. Naquela época, nada disto existia, nem ninguém vaticinava que viesse a existir. Mas já existia a agenda do professor, como se fosse um serviço público, cheia de informação específica, precisa e bastante, que aumentava os conhecimentos e a experiência pessoal do professor.
1 Obrigado ao Mário Tomás por esta preciosidade.