As Nossas Bandeiras – por Lopes Marcelo

É tempo de verão, altura de férias e de regresso de muitos dos naturais das nossas terras, embora condicionadas pela actual pandemia. Durante o ano com pouca população residente, as nossas populações recebem, sobretudo nesta época, milhares dos seus filhos que abrangem várias gerações. São elementos do que tenho chamado “Comunidades de origem” que, embora vivendo longe e dispersos por várias localidades e países, mantêm laços afectivos e culturais, por vezes até económicos, com as suas terras de origem. Sobretudo nas circunstâncias festivas, importa valorizar e divulgar os valores que nos caracterizam e diferenciam, já que se trata do assumir da relação de pertença e a herança do nosso património cultural. Não se trata só da memória colectiva onde enraízam os valores, os sentimentos e as emoções de sucessivas gerações, mas, também, todo um património sempre a (re) descobrir, a partilhar e a usufruir.

Na sequência de usos e costumes, os saberes e os sabores das comunidades rurais constituem sínteses amadurecidas pelo tempo, traduzindo a forma inventiva como o homem se relacionou com a natureza e com os outros em comunidade. Em tais saberes, rituais símbólicos e tecnologias humanizadas que originaram produtos culturais genuínos, cristalizou se a alma inventiva de sucessivas gerações trazendo até nós verdadeiras jóias de arte que são as nossas bandeiras de autênticidade e de identidade: o artesanato; o folclore: o trajo popular; os jogos tradicionais; as romarias; a cozinha popular e os instrumentos musicais tradicionais.

O artesanato, sendo anterior e não se podendo confundir com o processo industrial de produção repetitiva e em massa, cada peça ou produto artesanal, é portador de uma carga símbólica e de uma mensagem cultural. Em tais mensagens, se concentram valores e emoções que lhe asseguram identidade própria, com rosto e nome próprio do autor e do local (território físico e de afectos). Não se devem esquecer nem desvalorizar as características e atributos do artesanato como arte tradicional popular: simplicidade; unidade; criatividade; funcionalidade; qualidade e identidade.

O folclore, significando conhecimento do povo, representa um meio de afirmação e de valorização das comunidades locais. De facto, cantar, é seguramente o mais expontâneo dos verbos que conjugam a vivência humana. A canção tradicional popular nasceu com a celebração da relação com a natureza nos ciclos produtivos rurais: sementeiras; mondas; ceifas; desfolhadas, vindimas; do linho e da azeitona; bem como dos laços de enamoramento e dos rituais sagrados. Dos gestos do trabalho do campo e dos rituais festivos e sagrados, resultaram as coreografias das danças que o folclore consagrou como testemunho da maneira de ser, de viver, de vestir e de cantar dos membros da comunidade, constituindo uma mostra identitária, síntese viva da cultura tradicional popular.

O trajo popular é umdos mais significativos reflexos dos usos e costumes, das tarefas e actividades rurais, bem como das manifestações culturais colectivas com destaque para as romarias. De grande valor funcional e decorativo revela o engenho e a arte no aproveitamento dos recidos disponíveis, sobretudo do linho, como canta o povo:

Quem me dera ser amor

O linho que estás fiando

P´ra receber os beijinhos

Com que o vais adelgaçando.

Da revisitação, embora ainda condicionada, resulta o convívio mais intenso e a partilha cultural nesta época do verão, em que podem sair reforçadas as nossas bandeiras culturais, é o alerta deste pequeno texto.

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