AUTARQUIAS LOCAIS: Potencialidades e Realidades, por João Paiva

A organização e a forma do município, tal qual hoje conhecemos, não encontra data certa na história, mas as ideias e as instituições do passado, principalmente as religiosas, dão uma noção do seu surgimento em Roma.

Face às anotações históricas, verifica-se que a cidade foi formada paulatinamente pelos povos que se reuniam em torno de sua religiosidade, havendo em cada uma das células o sumo sacerdote que também era o chefe político.

Os nossos municípios, porém, não parecem ser a continuação dos municípios romanos, mas remontam à Idade Média e são produto das circunstâncias próprias da reconquista, como forma própria de auto-organização de comunidades de base territorial, em consequência de, nesse período, os senhores feudais estarem mais ocupados com a guerra do que com a gestão dos seus domínios.

Todavia, o ressurgimento do municipalismo apresenta-se como fenómeno cíclico na sociedade portuguesa, associado aos processos de rutura do tecido social e a profundas alterações no sistema político. Nesta situação, as forças políticas, que atuam na arena, procuram o apoio das estruturas políticas locais, na luta pelo poder.

Em 26 de setembro p.f. vão realizar-se eleições autárquicas em Portugal e mais uma vez não se fizeram reformas na lei eleitoral, pois muito se tem falado da sua necessidade.

Podemos tomar como exemplo os órgãos do poder local e, nestes, o executivo municipal. É uma espécie de governo central reduzido à sua dimensão concelhia. Os executivos municipais resultam da vontade popular expressa pelo voto. Há sempre um partido ou coligação que vence as eleições. Se assim é porque não se aplicam ao poder local as mesmas regras do governo da nação? O partido mais votado nesse concelho formaria o seu executivo de acordo com os resultados eleitorais. Depois de formado o governo local, apresentaria o seu programa à Assembleia Municipal, tal como o governo central apresenta igualmente o seu programa à Assembleia da República. A Assembleia Municipal corresponde, em termos locais, ao órgão legislativo nacional ou seja o parlamento local.

O que não se entende é que, por via do método de Hondt, se reúnam no mesmo órgão executivo os vencedores com os vencidos.

Se analisarmos as listas concorrentes às eleições, verificamos que entre os candidatos, surgem pessoas competentes pela sua formação e experiência, pessoas honestas pela sua caracterização, isenção e reconhecimento público, e pessoas impolutas às quais nada se pode apontar de pejorativo na defesa do interesse público, mesmo que não agradem a gregos e troianos (afinal a democracia a funcionar).

Mas também surgem candidatos “problemáticos” quanto à pureza dos ideais (até na ausência desses ideais e de modelos de sociedade) que dizem defender (sem os conhecer), quanto à visão indistinta entre a política, ensino, profissão e emprego, e quanto à subversão dos objetivos em funções públicas e desempenho, seja público ou privado, que descambe em corrupção (com a justiça a funcionar).

E as realidades trazem-nos autarcas que fazem obra e não se aproveitam da obra para fins indevidos, que zelam pela res pública mais do que pelo seu interesse privado, que preservam as tradições que os neófitos na política desvalorizam, que promovem o desenvolvimento económico, que os vendedores de ilusões desprezam.

E trazem-nos verdadeiros “cromos” de cadernetas, com encarniçamento para os adversários como se fossem inimigos, com jactância associada a gabarolice, tal como nos trazem famigerados venais nem sempre conspícuos, que se aproveitam do cargo e função para delapidar a fazenda pública, promover-se para futuros nichos de mercado, que em vez de promover o bem comum, adquirir contrapartidas.

Referindo-me ainda aos órgãos do poder local, posso afirmar que, tal como a Assembleia da República está para o governo da nação, as Assembleias Municipais deveriam estar para o executivo local.

Se assim é, porque rezões os presidentes das juntas de freguesias são membros, por inerência, das Assembleias Municipais? É público e notório, infelizmente, que a gestão de uma freguesia está sempre muito condicionada pela vontade do executivo municipal. As juntas de freguesia são o parente pobre dos órgãos do poder local. Por vezes necessitam de mendigar aquilo que por direito próprio é seu.

As Assembleias Municipais, para desempenharem as funções que lhes devem caber, na minha opinião, têm necessariamente de ver aumentadas as suas competências e delas só devem fazer parte os membros diretamente eleitos.

Assim, sou da opinião de alguns analistas, no sentido de que deveria criar-se um órgão próprio para os presidentes das juntas, pois reuniria os eleitos com as mesmas necessidades e responsabilidades. Aumentava a sua capacidade reivindicativa perante o executivo municipal e deixavam margem necessária para a plena funcionalidade da Assembleia Municipal.

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