
Professor do Ensino Básico
Um pouco por toda as Beiras, milhares de emigrantes portugueses fazem-se à estrada para gozar as merecidas férias de verão, é um ritual. Entram em Portugal pela conhecida “fronteira” de Vilar Formoso, a “Fronteira da Paz,” que recebeu centenas de judeus no período da II Guerra Mundial. Já agora, vale a pena conhecer e visitar o Museu, que aborda precisamente essa temática. Voltaremos a falar desse assunto noutra crónica, que poucos Beirões conhecem.
Quanto à emigração portuguesa, à semelhança de outras regiões do país, daqui partiram muitos homens, sobretudo, famílias inteiras “a salto,” rompendo as dificuldades e a longa viagem até ao outro lado da fronteira. Um verdadeiro inferno, um calvário. No meio dessa teia, muitos dos passadores que concretizavam o negócio selado com uma fotografia rasgada ao meio, morreram e outros foram presos. Era uma viagem sofrida para esses heróis, que sonhavam com melhores condições de vida: a Terra Prometida – França. O Estado Novo tolhia a esperança dos portugueses. Chegar a França era o verdadeiro objetivo, custasse o que custasse. Já ouvi relatos impressionantes de alguns para quem era uma vitória chegar ao destino, mesmo que muitos deles tenham sido recebidos em bairros de lata, o bidonville, o mais conhecido entre nós, infelizmente. Da tristeza à miséria, os novos emigrantes estavam determinados em se superarem. Não podiam regressar sem fortuna a Portugal, pois seriam alvo de chacota: “Foram para a França e não arranjaram dinheiro para uma casa.”
Gérald Bloncourt foi o grande fotógrafo que imortalizou a emigração portuguesa em França nos anos 60 e 70. Os bairros de lata passaram pela lente atenta e sábia de Gérald Bloncourt, que faleceu aos 92 anos em 2018. As fotografias a preto e branco falam das emoções, do modo vida dos portugueses desse tempo, da saudade, das barracas de lata, das injustiças sociais, das emoções, do cheiro das filhós, da alma lusa, do coração dos portugueses, que enfrentavam as atrocidades do bairro enlameados por terras de França.
O altruísmo desses portugueses e a força do trabalho mudou França e a vida de todos aqueles que acabaram por regressar aos seu país, com a sua merecida “retraite”. Vejamos como se superaram: foram analfabetos para França e vieram com a carta de condução na mão; foram “a salto” e regressaram com Mercedes a circular nas “autoroutes”, pediram dinheiro emprestado para se remediarem nos primeiros tempos e muitos deles vieram com recheadas contas bancárias, cujo juros eram pagos a trinta por cento, praticados pelos bancos; foram rotos e famintos e vieram com roulotes cheias de bens e até o próprio projeto arquitetónico da casa de sonhos trouxeram de França.
A segunda e terceira geração e por aí em diante, começam a estudar, a aumentar as suas competências e entram com sucesso na vida social do país de acolhimento, ou seja, na política, no ensino e na ciência. Temos uma comunidade de emigrantes que nos orgulha,em muito, pelo seu grande altruísmo.
No século XXI, os bisnetos continuam a vir mas, muitos deles, apenas dois ou três dias para abraçar os avós, já institucionalizados.
Já não passam cá as férias “grandes”, muitos procuram as praias. Porém, ainda é tradição escolherem Portugal para casar e batizar os netos e bisnetos. Por cá, os nossos idosos já se esqueceram dos nomes da pequenada.
Das longas e cansativas viagens, os atuais emigrantes preferem vir de avião e com hotel marcado. É um novo tempo, mas todos vêm à procura da raiz, de outros tempos, do ninho onde nasceram e que os viu crescer.
Seja como for, os nossos emigrantes ainda continuam a encher as nossas aldeias, com aquele abraço fraterno, com os carros a circular e os proprietários dos cafés a esfregar as mãos com o negócio. Os ténis de marca X, as camisas brancas, os cortes de cabelo e os vestidos desfilam na procissão da terra ao som da Banda Filarmónica.
Aos nossos queridos emigrantes peço que continuem a ensinar a língua portuguesa aos seus bisnetos e netos. Desejo-vos uma excelente viagem à vossa terra, à vossa aldeia, sois sempre bem-vindos! Por esse mundo, a diáspora portuguesa continua a ser o nosso orgulho.
Na minha reflexão de hoje habita uma profunda tristeza. Pela minha terra, Peraboa, há cada vez mais casas cujas persianas não correm e as portas não se abrem. Os jardins estão secos de flores e de vida e tudo isto me faz sentir um certo saudosismo, um grande vazio. A primeira geração de emigrantes está a desaparecer, esses valentes homens e mulheres. Homenageio-vos heróis da vida! É preciso registar essas estórias de vida, ainda vamos a tempo?
Nas vitórias não há tristezas. Vivamos todos!
Merci. Au revoir.
Bienvenue à tous !