Entrevista com a Delegada de Saúde do ACES/Cova da Beira, Drª Henriqueta Forte

Henriqueta Luísa Duarte Forte, Delegada Coordenadora de Saúde, do ACES -Cova da Beira, foi a terceira dos quatro filhos de Arnaldo Bartolomeu Forte, comerciante e antigo Presidente de Junta do Salgueiro e Henriqueta Duarte Forte enfermeira, fundadora e antiga Presidente do Centro de Assistência Social dos Três Povos.
Nasceu no Rio de Janeiro, mas foi numa casa no meio do Salgueiro na freguesia de Três Povos, que passou a sua infância. Muito jovem foi estudar para Lisboa, licenciou-se em Medicina, muito por influência da sua mãe. A mãe foi alguém quem deu aos Três Povos tudo o que humanamente é possível dar para as gentes da sua freguesia, tratou das dores do corpo como das angústias da alma de qualquer pessoa, a qualquer hora do dia ou da noite. Faleceu no ano passado, faria este ano a 10 de outubro, 100 anos.
A nossa entrevistada é há vários anos vice-presidente do CASTP, instituição criada por sua Mãe, da qual Correio de Caria fez uma reportagem recentemente. Tem um percurso académico e profissional vasto, fez o internato Geral nos Hospitais de Coimbra, é especialista em saúde pública, desempenha funções de Assistente graduado Sénior de Saúde Pública e foi assessora da Coordenação do Internato complementar de Saúde Pública da Zona Centro, especialista em Medicina do Trabalho e tem pós-graduação em Termalismo.
Atualmente é a Delegada de Saúde Pública do Agrupamento dos Centros de Saúde da Cova da Beira. É carismática, respeitada e estimada, todos os colegas, familiares e a população elogiam-na pela sua dedicação e profissionalismo. Não gosta muito da exposição publica, mas era uma voz importante para o Correio de Caria, sobretudo na ocasião que vivemos.

Jorge Henriques Santos

Correio de Caria: – É delegada de saúde do ACES Cova da Beira que abrange, os concelhos de Covilhã, Fundão e Belmonte, que é uma realidade de quantos utentes?
Henriqueta Forte: – São cerca de 81 mil utentes nos três concelhos.

C. C.: Acaba por exercer a sua atividade médica e de gestão do serviço médico no meio de onde é natural e foi criada: Vantagens e inconvenientes dessa proximidade?
H. Forte: Eu nasci no Rio de Janeiro, mas fui criada nos Três Povos, aliás foi a minha Mãe que criou o Lar. As vantagens são muitas porque me permite conhecer muito bem esta população, porque desde miúda me habituei a ver as pessoas a bater-nos à porta. Estivemos sempre muito habituados a lidar com os problemas das pessoas, não apenas médicos como também sociais.

C. C.: O que mais a entristece e o que mais a anima neste contacto com as pessoas?
H. Forte
: Para mim o que é mais importante é levar às pessoas algum conforto, tanto na parte médica, como na parte humana, para muita gente a solidão, o estar sozinho, não é a falta de dinheiro, não é a falta de bens materiais, as pessoas sentem-se muito sozinhas.

  • O que mais me entristece é a desertificação de todas estas zonas, o isolamento a que as pessoas ficaram condenadas à solidão.

C. C.: Pela sua atividade apercebe-se de forma muito direta do envelhecimento social. O que mais tem contribuído para isso, em sua opinião?
H. Forte:
O envelhecimento social é uma das coisas mais preocupantes. Os filhos destas pessoas emigraram e boa parte já não voltaram. Os idosos de agora foram aqueles que emigraram nos anos 60, depois os filhos deles esqueça, já não voltam mais…

C..C.: Como podia ser contrariado?
H. Forte:
Só criando atrativos, os que estão no estrangeiro, nem assim acredito, a diferença de nível de vida entre nós e eles é tão grande que não vejo forma de reverter essa situação, agora para os que foram para as grandes cidades na cintura industrial de Lisboa e do Porta, acredito que sim, nas duas faixas: A faixa dos 60 que agora entram na reforma e que como sabe a maioria tem uma casa nos Povos, criar condições para que estas pessoas voltem e a experiência da Universidade da Terceira Idade criada no Escarigo pode ser uma forma de as pessoas se sentirem integradas: Por outro lado a gente nova, população ativa, também para depois termos os miúdos, aí era criar postos de trabalho, dada a dificuldade que as pessoas têm de arranjar trabalho, em qualquer área.

C. C.: Esta Pandemia tem sido um grande desafio para si e para o seu cargo. Sentiu-se posta à prova perante este gigante pandémico? Como o tem conseguido gerir?
H. Forte
: Nós temos aqui um vírus novo, do qual agora já sabemos mais do que sabíamos em março. Regressando um pouco atrás isto começa na China em dezembro de 2019, sem sabermos muito bem o que tinha acontecido, sabemos que naquele mercado do peixe as pessoas começam a ter problemas respiratórios, sem se saber muito bem porquê, mas, entretanto, identifica-se um vírus do tipo Coronavírus que já tinha provocado pandemias anteriores. Com todos os transportes aéreos que há de uns países para os outros era fácil o vírus viajar para outros países e chegar a Portugal. Por isso é que nós nesta fase ainda estamos muito na fase de mitigação.

C. C.: Mas porque é que pessoas assintomáticas têm de ficar em casa?
H. Forte
: Porque os assintomáticos transportam o vírus e se nós ficarmos todos doentes ao mesmo tempo, vamos ter muita dificuldade de dar resposta aos doentes. Nós temos três tipos de infetados: Os assintomáticos, mas que infetam, os sintomáticos ligeiros que podem perfeitamente ser tratados em casa sem problemas; e os sintomáticos graves e esses sim têm de ser internados e neste caso sabemos que os que têm outras patologias e são mais vulneráveis, têm risco de contrair a doença grave e nós sabemos que o País dispõe de X camas disponíveis. Por isso esta mitigação é para tentar que destes todos só um reduzido número necessite de ficar internado, não havendo rotura de serviços. Conseguirmos gerir os recursos que temos… Até agora nós na Cova da Beira estamos bem, até agora…

C. C.: Mas isto trouxe alguns sustos?! E alguma pressão, sobretudo a segunda fase!?
H. Forte:
Acima de tudo isto trouxe muito trabalho, muito trabalho a todos os níveis como é óbvio. De todos os casos, em cada um temos de avaliar os contactos e em muitas situações envolve mais de 20 pessoas e nós temos de contactar os outros, para num mínimo de tempo possível, para lhes poder dizer “fique em casa, não saia, os riscos são estes…”, ou seja, para conseguir cortar essa cadeia de transmissão… Esse é o grande desafio na comunidade. Para quem está nos cuidados intensivos, é um trabalho muito meritório e muito exigente, para quem suporta 24horas de serviço nos cuidados intensivos

C.C.: – Teve assim alguns momentos que lhe causassem angústia?
H. Forte:
Sim! Sobretudo quando se trata de casos de lares, primeiro pela vulnerabilidade das pessoas e segundo pelo número elevado de casos que nos aparecem num prazo de horas e terceiro porque o que queremos é isolá-los o mais rápido possível, curá-los o mais rápido possível e que nos morram o menos possível… São momentos de grande pressão.

C. C.: – Também lhe trouxe alguns momentos de satisfação?
H-Forte:
Sim porque nós conseguimos durante meses praticamente não ter casos, foi muito bom e, lá está isto conseguiu-se por todo o trabalho que está por trás. Tínhamos casos importados, mas não tínhamos cadeias na comunidade, fomos dos melhores concelhos a nível nacional.

C. C.: Sim, mas depois na segunda fase…!
H. Forte:
Lá está temos cadeias instaladas na comunidade.

C.C.: – Nalgum momento se sentiu que o sistema podia colapsar?
H. Forte:
Até agora não. O nosso grande receio é sem dúvida os cuidados intensivos e se nós conseguirmos triar cedo todos os doentes infetados conseguimos acautelar esse recurso. Em todos os casos de infetados, as pessoas que estão isoladas, são contactadas diariamente, pelos serviços de medicina geral e familiar para saber se os sintomas agravam, precisamente para ser tratado se for preciso e não ir para os cuidados intensivos numa fase já mais adiantada da doença.

C. C..: Considera nesta ocasião que o pior já passou?
H. Forte:
Não diria isso e não disponho de informação suficiente para afirmar isso. Diria que esta segunda fase foi pior que a primeira, para nós. Mas tudo vai depender de nós, vem o Natal todos vamos querer estar uns com os outros e confraternizar.
C. C.: O aliviar das restrições nesta quadra do Natal, pode trazer alguns riscos?
H. Forte:
Pode sem dúvida, se nós não tivermos cuidado, o que nos vai acontecer é de aqui por 14 dias termos uma subida de casos.

C.C. – O que recomendaria em Especial?
H. Forte
: Sobretudo as medidas de proteção: O distanciamento social, nós podemos estar quatro na mesma mesa, mas devemos evitar de estar frente a frente, devemos posicionar-nos na diagonal. Porquê? Se eu estou a comer não estou de máscara e se eu espirrar terei tendência de mandar as gotículas para a outra pessoa, sabemos que este vírus se transmite sobretudo pelas gotículas. Depois as regras de etiqueta respiratória, se espirro devo fazê-lo para o braço e se tenho máscara devo logo substituir a máscara. Depois nem todas as máscaras servem, por outro lado quando as máscaras ficam húmidas podem ser transmissoras ainda de mais infeções, a substituição após algum tempo também é importante, nós profissionais de saúde por exemplo tem de ser substituída de quatro em quatro horas; A lavagem frequente das mãos. São essas sobretudo, nós devemos todos ser agentes de saúde publica, não vamos pensar que há serviços em cada esquina para nos vigiar, ou proteger. O nosso maior problema nesta zona é o das pessoas que são postas em isolamento profilático e não respeitam, isso é grave e é importante que respeitem.

C. C. Mas também parece haver tendência para alguns exageros. Por exemplo alguns estabelecimentos recusam ter o jornal para os clientes porque pode ser portador do vírus isso pode acontecer?
H: Forte:
O que temos de perceber é o seguinte: O vírus transmite-se sobretudo de forma direta através das gotículas, por isso é que nós protegemos sobretudo nariz e boca. Também se diz que ele se transmite pelas superfícies, pode acontecer se por exemplo a pessoa infetada, sem proteção espirrou para as mãos deixando gotículas, depois pegou no jornal e transmitiu essas partículas para o jornal e logo a seguir outra pessoa pega no jornal, não tem proteção e traz as mãos à boca. Há aqui a coincidência de um largo número de fatores para que o vírus seja transmitido, mas é uma coisa que tanto pode acontecer com um jornal, como acontecer com o dinheiro, ou qualquer objeto, ou mesmo uma superfície, por isso se recomenda que nos estabelecimentos as superfícies sejam limpas após cada cliente.

C. C.: Acredita que o surgimento das vacinas e o plano previsto na sua adoção, nos vai libertar desta ameaça?
H. Forte
: Acredito que sim, repare uma coisa, se nós conseguirmos proteger os tais de grande rico, aqueles doentes graves que têm de ir para os cuidados intensivos e nesses é que é preciso atuar primeiro, depois naturalmente e é compreensível, os profissionais de saúde que estão a lidar com o a pandemia diretamente. O plano está definido, ele foi estudado, vai ter defeitos naturalmente. Mas interessa é que a vacina seja eficaz, comece a ser aplicada nos grupos de maior vulnerabilidade e depois vá alargando progressivamente, mas isso vai acontecer em todos os Países.

C. C.: Por último, que efeitos esta Pandemia nos vai deixar: Em termos de mazelas sociais?
H. Forte
: Sabemos que esta pandemia vai deixar mazelas graves sociais, nomeadamente as dificuldades económicas causadas nas pessoas e nas famílias. Assistimos a famílias da classe média que de repente ficaram em situações onde passam grandes dificuldades, não afeta só a parte económica, como a parte psicológica a vivência familiar, as alterações psicológicas que isto causa, não apenas pelo confinamento em si, mas também pelas alterações de vida, não vai ser fácil.

C. C.: E nos idosos?!
H. Forte:
Os idosos dos lares já estão isolados, alguns percebem e aceitam o facto de não terem visitas, mas outros não percebem e pensam que os familiares os abandonaram. Depois as atividades de Centro de Dia, ou de atividades ocupacionais como as Universidades de Terceira Idade como já referi, fazem muita falta para o equilíbrio das pessoas e isto vai-se refletir num conjunto de problemas do foro psicológico que irão perdurar por algum tempo. Mas lá está se a situação for favorável vão reabrir os Centros de Dia e as atividades progressivamente irão voltar ao normal.

C. C.: E de efeito positivo!? Aprendemos alguma coisa com isto?
H. Forte:
Espero que sim, mas não tenho tantas certezas. Espero que tenha servido para nos unirmos mais, para ser mais solidários com o nosso vizinho. Para em família percebermos o que é a família porque estava a ficar muito perdida, mas tenho sérias dúvidas, não tenho tantas certezas.

C.C. Que Mensagem para este Natal?
H. Forte:
Que as famílias se possam reunir sim, mas com as cautelas já referidas. Porque é preciso estarmos em família, mas estar em família com conta peso e medida e a medida nesta altura e termos em conta as medidas de contenção que estão tidas como essências…


C. C.: Obrigado e Um Feliz Natal
H. Forte:
Bem-haja. Boas Festas.

One thought on “Entrevista com a Delegada de Saúde do ACES/Cova da Beira, Drª Henriqueta Forte

  1. Repito, parabéns à Dra Henriqueta. Desde jovem sempre ajudava a todos, orgulho da família, dos três povos e de Portugal.

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