Entrevista Filipe Santos, Move Beiras

Filipe Santos é um Jovem descendente da Benespera, apesar de ter nascido em Almada e uma parte da sua vida ter passado em Lisboa, é na terra natal que se sente bem e para cá voltou em teletrabalho na ocasião do Covid. Atualmente é técnico financeiro na EDP e reparte o seu tempo com trabalho presencial em Lisboa e o teletrabalho na Benespera.
A reabertura da Linha da Beira Baixa com comboio da Benespera para Lisboa tornou-se a oportunidade para esse trabalho, mas não estava previsto nos planos iniciais, que o comboio aqui parasse e foi por isso que surgiu a Move-Beiras.


Jorge Henriques Santos

Correio de Caria: – Então a Move Beiras o que é? Como surgiu, quando e porquê?
Filipe Santos: – Então estávamos em março de 2021 quando se anunciou a reabertura do troço Covilhã/Guarda, da Linha da Beira Baixa, após três anos de estar encerrado e não estava previsto que o Comboio parasse na Benespera. A população tentou mexer-se de alguma maneira e o primeiro ato foi logo na festa de Santo Antão que é o nosso padroeiro, as pessoas viessem à Estação saudar o comboio…

C.C.: – Isso foi quando?
F S.: – Mais propriamente no dia 18 de abril ocasião em que sabíamos que iria aqui passar o primeiro comboio de mercadorias, uma composição com cerca de meio quilómetro e a população veio em massa para ver e saudar o maior comboio que alguma vez aqui tinha passado e encheu-se a estação e com a banda de música como era tradicional antigamente, na festa de Santo Antão, saudou-se alegremente a passagem do comboio. Claro que isso foi visto publicamente através das redes sociais, nomeadamente a página da “Comunidade da Linha da Beira Baixa” e isso teve impacto público e mexeu com a posição dos decisores.

C.C.: – Foi decidido então passarem a parar também aqui os comboios?!
F S.: – Aqui e mais acima no Barracão que também não estava previsto. Quando foi a viagem pré-inaugural com as entidades oficiais, houve uma delegação que foi à Covilhã colocar a situação aos responsáveis. Aí foi-nos dada a indicação que a situação podia ser revista e quando reabriu a circulação, na página de Facebook aqui da aldeia, eu resolvi colocar um POST, a dizer “eu vou andar no comboio quem quer vir”. Passei a noite inteira a comprar bilhetes, para se juntar cerca de 100 pessoas para circular nesse comboio do dia 2 de maio 2021, em passeio até à Guarda e voltar…

C.C.: – Sem querer estamos a fazer história, o Correio de Caria também veio nessa viagem e na ocasião disseram-nos que era um grupo da Paróquia!?
F S.: – Efetivamente o Sr. Padre também lá estava, porque tem-nos acompanhado em tudo, assim como a Junta de Freguesia, mas a mobilização aconteceu assim naturalmente, desta forma. Estávamos em pleno covid, mas recebemos aqui o comboio com música e foguetes em extrema alegria, mostrando a nossa satisfação por o comboio ter regressado… Isto foi divulgado nos órgãos de comunicação social também e teve o seu efeito.

C.C.: – Mas depois não ficaram por aqui!?
F S.: – Não, tendo já o comboio a parar aqui, em outubro decidimos fazer uma viagem coletiva à Covilhã, também foi um sucesso, juntámos 160 pessoas. Depois pelo Natal surgiu a ideia de decorar também a estação que é também uma entrada na aldeia pedimos autorização à IP, foi-nos concedida e ficou assim a primeira estação Natal do País, como veio a ser divulgado na comunicação social e redes sociais. Foi aqui que recebemos o “Podcast” do Público, (que fazem com a CP pelo Natal) e onde a população os recebeu com uma canção de Natal. Isso foi posto a correr e também nos deu grande visibilidade e que levou, o então, administrador da CP José Carlos Barbosa a afirmar que “a Estação da Benespera é a Capital da Linha da Beira Baixa, por tão bem saber receber” …
Daí decorre a necessidade de constituir a associação, até para termos personalidade jurídica e poder fazer parcerias na continuidade deste trabalho.

C.C.: – Então a Move Beiras, é constituída quando e com que objetivos?
F S.: – É constituída em abril 2022, um ano depois. Os objetivos são valorizar os territórios onde o comboio passa e o usam como meio de transporte sustentável.
Ganhámos, que logo a seguir, o comboio Passeio das Beiras, um evento organizado pela APACF Associação Portuguesa dos Amigos do Caminhos de Ferro, a Benespera foi o único local no distrito da Guarda onde este comboio parou. Esta composição saiu do Porto, partiu com nove carruagens e 450 pessoas, com destino ao Entroncamento e fez a Beira Alta e Beira Baixa toda. Parou no Tortosendo numa pausa de refeição, para almoço e depois só parou aqui, onde foi recebido com foguetes, música e mesa posta para um Porto de honra. A estação só tem espaço para três carruagens, mas eram nove… risos e coube. Das 450 pessoas levámos 100 daqui.

C.C.: – Mas vão muito além disso pelo que vejo?
F S.: – Nos territórios estão as pessoas, com as suas tradições, costumes economia e cultura. Esse é o nosso objetivo, promover o território em todas as suas dimensões. Por isso estivemos esta semana com um stand na feira das Sopas do Tortosendo, onde promovemos a nossa sopa do ferroviário, uma receita trazida por um colega nosso da cantina dos ferroviários em Lisboa e que fez bastante sucesso.

C.C.: – E as coisas sucedem-se!?
F S.: – Sim. Outra grande vitória que nós logo tivemos, foi a Junta Regional da Associação de Escuteiros da Diocese da Guarda, logo a seguir nos contactar para colocar aqui uma sede da Junta Regional de Escuteiros o que implicou aqui criarem um espaço para os meninos aqui passarem um fim de semana, umas férias ou outra atividade. Claro que se deslocam de comboio e também posso adiantar que a população nunca os tem deixado ir a pé para a aldeia, arranjam-lhes sempre transporte para levar a mochilas.

C.C.: – E contam com algumas atividades marcantes?!
F S.: – Ainda o ano passado promovemos um passeio ao Museu Ferroviário no Entroncamento, que foi um sucesso também e contámos com cerca de 200 pessoas. Mas esse foi no comboio normal intercidades.
Recentemente, como noticiaram levámos 500 beirões a Lisboa ao Jardim Zoológico. Aqui já fomos nós que alugámos dois comboios, seis carruagens. Nós pedimos orçamentos e à partida adjudicámos logo um comboio, porque sabíamos que íamos ter pessoas para isso. Passada uma semana estávamos a pedir um segundo comboio. Nessas seis carruagens levámos enfermeiro a bordo, animação a bordo, serviço de bar. Demos os bares a explorar aos escuteiros de Belmonte e da Guarda.
Foi comovente assistir a testemunho de pessoas idosas que nunca tinham ido ao Jardim Zoológico ou até a Lisboa. Por outro lado, cada grupo de 100 pessoas apadrinhava um animal, foram cinco animais apadrinhados pelos Beirões nesta iniciativa. Esta dimensão foi até salientada no agradecimento expresso no espetáculo dos golfinhos.

C.C.: – Outra atividade singular que o nosso jornal também acompanhou, foi a inédito concerto a bordo no dia 5 de outubro. Como surgiu essa ideia?
F S.: – A ideia já cá andava e quando foi apresentada à Banda da Covilhã, a resposta do professor Cavaco, foi um enorme SIM, andámos a adiar durante uns tempos devido às greves, mas logo que foi possível pusemos em prática e de facto uma coisa extraordinária, 250 a 300 pessoas nessa viagem com um concerto da banda foi de facto extraordinário e foi algo único não apenas ao nível da região, mas algo único ao nível do País. Mais que tudo foi pela cultura e pelo Interior.

C.C.: – A vossa marca também tem sido a animação?
F S.: – Nós não defendemos o comboio em viagem, nós queremos usar o comboio para levar as pessoas a algum lado, mas sempre com muita alegria e animação.

C.C.: – Como tem sido a recetividade a essas iniciativas?
F S.: – Primeiro a população da Benespera, quanto a isso não há dúvidas, o carinho, a adesão, a identificação com o nosso projeto. Estamos a crescer a nível regional, sobretudo nos distritos de Castelo Branco e Guarda.

Por tradição e já no tempo da minha avó, no Dia de Santo Antão, a banda da Benespera vinha à estação receber as pessoas que vinham no comboio, vinha sempre uma carruagem cheia de pessoas da Guarda que vinham à festa e acompanhava-as para baixo. Isso perdeu-se durante 12 anos, mas agora foi recuperado de novo.
Depois foi marcante o dia 2 de maio de 2021 e por isso pedimos à IP para colocar aqui esta placa evocativa desse dia, estão aqui representados vários símbolos que representam a ligação do comboio à Aldeia e também o nome das 100 pessoa que nesse dia foram nessa viagem inaugural.
Há uma ligação muito forte da aldeia a este local. Nesta sala celebraram-se casamentos (sala de espera da estação); daqui partiram muitas pessoas para a guerra, umas voltaram outras não, saíam as pessoas para a emigração e também aqui se encontravam quando regressavam. A população da Benespera está muito ligada a esta estação e ao comboio de uma forma umbilical e muito afetiva.

C.C.: – E como foi a recetividade da CP?
F S.: – Eles gostaram, aliás para todos os efeitos nós não nos estamos a sobrepor a eles, nós estamos a utilizar um serviço que é deles. Nós estamos no terreno, o nosso slogan é “linhas que nos ligam e uma região que nos Move” e eles acabam por também ser beneficiados por isso e a prova que o reconhecem é que um ano depois fizemos uma receção idêntica pelo Santo Antão aqui na Estação e estiveram cá responsáveis da PT e a IP.
Em todo este processo temos também de parabenizar a CP, eu já o disse publicamente e posso repetir a CP tem estado sempre disponível para o que lhe propomos.

C.C.: – Como desenvolvem a promoção dessas atividades?
F S.: – O nosso objetivo é trabalhar em conjunto, só assim conseguíamos levar 500 pessoas ao Jardim Zoológico, envolvendo Guarda, Belmonte, Caria, Tortosendo de outra forma. Não conseguiríamos fazer nada disto sozinhos, procuramos sempre novos parceiros para trabalhar em conjunto.

C.C.: – E a recetividade das Autarquias?
F S.: – Da parte das Juntas de Freguesia, temos tido sempre um feedback, das Câmaras Municipais, nem por isso… Depois temos de realçar as outras entidades, o caso da Banda da Covilhã agora a UBI.

C.C.: – Da UBI? Qual foi a experiência?
F S.: – Foi uma aula de ciência a bordo que fizemos com a Universidade da Beira Interior, aliás duas uma da Covilhã à Guarda e outra da Covilhã para Castelo Branco, num comboio regional. Foi inserido no Festival de Ciência U*NIGHT, onde uma das atividades foi “Ciência a Bordo” na Linha da Beira Baixa com alunos das escolas da região em atividades de divulgação da ciência.

C.C.: – Porque é que a UBI recorreu a vocês e não recorreu à CP?
F S.: – Porque se calhar nós já estamos a ser conhecidos e já reconhecem a nossa credibilidade na organização destes eventos.

C.C.: – E a recetividade do Governo como tem sido?
F S.: – Nós não demos nenhum contributo para o Plano Ferroviário Nacional até porque ainda não existíamos como associação, porém houve quatro contributos: Dois da Junta de Freguesia do Tortosendo, da Câmara da Covilhã e outro da Comunidade da Linha da Beira Baixa. Nós pegámos nestes quatro contributos e pedimos audiência aos deputados da Assembleia da Républica.
Fomos recebidos pelos deputados dos distritos de Castelo Branco e da Guarda de ambos os partidos e posteriormente pelo secretário de Estados das Infraestruturas. Apresentámos várias reivindicações como mais frequência nos comboios; as infraestruturas de apoio que são insuficientes; um ponto ligado às mercadorias e outro ao Turismo, porque está provado que a Linha Turística, não pode ser só até Castelo Branco, mas deve ser até à Guarda.

C.C.: – Pretendem então uma dimensão turística também para este troço da Linha da Beira Baixa?
F S.: – Não é só a linha que é turística é o produto onde as pessoas chegam e vêm o resto. Consideram que a linha da Beira Baixa é muito agradável, com a margem do Tejo, até Ródão, mas nós temos coisas que o Douro não tem, temos o Tejo sim e temos a Gardunha, a Serra da Estrela com os seus encantos e moldura de neve no inverno e esta paisagem do vale de Teixeira emoldurada por esse cenário. Depois temos os produtos: A cereja, os rebanhos, o queijo, o olival e o azeite. Imagine o que é viajar num comboio turístico com janela aberta e apreciar as paisagens deste percurso com a Serra da Estrela como cenário.

C.C.: – Para além do Festival das Sopas onde participaram com sucesso o que é que nesta ocasião já têm previsto também para este ano?
F S.: – Vamos participar nos dias 17, 18 e 19 de novembro, no Festival do Azeite que é um evento que envolve quatro freguesias e decorre no vale da Teixeira todo, Benespera, Vela, João Antão e Ramela. É um festival de cultura popular apoiado pela Câmara Municipal da Guarda, organizado pela Move beiras em parceria com associações das várias freguesias e com as Juntas de Freguesia. Tendo como pano de fundo o olival e o Azeite vamos recriar as fazes todas desde a apanha da azeitona, o levar da azeitona ao lagar; provar torradas com azeite; até à feitura do azeite num lagar tradicional que ainda temos cá na aldeia da Ramela; fazer pão, bolo e biscoitos de azeite no forno comunitário; Uma consagração do Azeite em Eucaristia; Um almoço de lagarada, à boa tradição da época. Vai haver também um almoço de caça porque também somos uma zona de caça; e vamos ter as primeiras jornadas técnicas do ambiente em Vale da Teixeira.

C.C.: – Ultrapassam em muito as questões do comboio ?
F S.: – Nós promovemos as populações por onde ele passa, as pessoas são o mais importante e dentro disso pegar nas nossas tradições.

C.C.: – Voltando ao comboio uma das críticas que se tem apontado é a falta de interface entre o comboio e os outros transportes, bem como o seu ajustamento aos horários de trabalho. Qual é o vosso sentimento?
F S.: – Chega-nos também essa preocupação e das coisas que nos temos manifestado tanto na Assembleia da República como na secretaria de estado.
Defendemos que se crie da Guarda até Vila Velha de Ródão um serviço de comboio interurbano onde possa ser usado o passe que existe com carreiras para os grandes centros.


C.C.: – Aquilo que a Deputada Cláudia André defendeu numa conferência que nós organizámos. Um Metro de Superfície de Castelo Branco até à Guarda?
F S.: – Pode chamar-se como se quiser, mas um serviço que tem de servir as populações nesse género, que rentabilize o comboio e o torne atrativo, porque se os horários não são funcionais não tem utilizadores, se não tem utilizadores não é rentável e depois acaba. É uma pescadinha com o rabo na boca. Nós temos consciência que isto nunca vai ser uma linha de Cascais ou uma linha de Sintra. São territórios despovoados e a CP como empresa pública tem a sua causa social a defender.
Apenas acho que nesse conceito se deve chegar inclusivamente a Vila Velha de Ródão, porque há um grande fluxo entre Castelo Branco e Ródão.

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