Um pouco por este Portugal profundo, e depois de dois anos de pandemia, eis que as aldeias e as vilas receberam o passaporte para festejar a liberdade conquistada antes do flagelo que encerrou as comunidades durante um longo período sabático. Nos últimos dois anos não se cantou e não se dançou, nem tão pouco se festejou a chegada dos filhos da terra, os nossos emigrantes. O cinzentismo das comunidades rurais instalou-se. O nosso Interior estava escuro, frio e as ruas ficaram mais estreitas, já que faltou a beleza e a alegria das pessoas. Chegou o verão de 2022 e com ele veio a euforia, o calor e os festejos! As bandas filarmónicas saíram à rua, os grupos musicais não tiveram mãos a medir, assim como os restaurantes. As praias fluviais e os mergulhos não faltaram. No que diz respeito às nossas aldeias não houve nenhuma terrinha, anexa ou lugar da região, em que o respetivo Santo Padroeiro não tenha sido devidamente festejado. Basta observar os cartazes e as tarjas estendidas um pouco por todo o lado. Nem os troncos das árvores escapam à euforia do anúncio das festas. Em Peraboa, a minha terra, a única festa religiosa que se festejava com pompa e circunstância, infelizmente este ano não se realizou em maio, apenas a parte religiosa, que pena. Nos anos oitenta todos os artistas passaram por Peraboa, por altura da festa em honra do Espírito Santo, que enchia Peraboa de forasteiros. Um caso sociológico a estudar – o desinteresse dos peraboenses pela a sua própria terra. Ao contrário de Peraboa, gostaria de destacar algumas freguesias da Cova da Beira que são um bom exemplo de trabalho e resistência, como por exemplo: Atalaia do Campo (Fundão); Barco (Covilhã), Olas (Belmonte); Três Povos (Fundão), Anascer (Penamacor). Até as anexas realizaram a sua festa. Aliás, há uma certa concorrência saudável entre cartazes para atrair clientes.. Todos os organistas, artistas nacionais e regionais foram contratados. Não houve mãos a medir. Ao longe víamos o jogo de luzes no céu, que se cruzam com a terra vizinha. Reparei que os mordomos também adaptaram os programas a todos os públicos, a partir das duas da manhã aparecem os DJ´s. A criançada corre pelo recinto adentro. A gastronomia e as iguarias também chegam a todos os diferentes visitantes e festejos.
Assim sendo, elogio fortemente os mordomos e festeiros e a sua capacidade de mobilização. Na sua maioria agendam as férias no fim de semana que coincide com a festa da aldeia privando-se do conforto e do descanso depois de um longo ano de trabalho. “Temos que servir o Santo.” Obrigado pela a vossa capacidade de resiliência e paixão demonstrada pelo vosso “torrão”, a raiz. Ainda há alguma heroicidade e eu acredito nela, pois aqui está um bom exemplo de comunidade: trabalhar para o bem comum de uma população. São os guardiões das nossas tradições, de um património imaterial que deve ser salvaguardado, como as procissões, as tradições religiosas. Continuo a afirmar que os nossos festeiros souberam elevar as suas terras, usando todas as tecnologias que estão ao nosso alcance, mostrando paixão e interesse em não deixar morrer as nossas aldeias. As selfies nas redes sociais, a alegria das pessoas…Há imensos mordomos jovens a “agarrar” as tradições, a não permitir que elas desapareçam. “O futuro também passa por nós, pelo nosso empenho”.
Tudo seria e teria sido perfeito se não fossem os incêndios. A nossa Serra da Estrela está mais pobre, sentimos um certo abandono. Arderam séculos de história e agora precisamos de oitenta anos para que tudo renasça. Entre o paraíso e o inferno, o verão encerra com um misto de sensações.
Para terminar e quanto às festas das aldeias, a única forma dos nossos emigrantes continuarem a escolher a sua terra natal para gozar as suas férias passa também pela realização das festas populares, não esquecendo os familiares. A todos desejo uma boa viagem de regresso ao vosso país de acolhimento. Até Sempre… A saudade eterna continuará, depois desses dias intensos. Daqui irão levar boas memórias e afetos. As nossas aldeias estão na moda.