Há Festas e Festas…, por Lopes Marcelo

Lopes Marcelo
Docente Universitário

Cá temos mais um querido mês de Agosto, moldura de tempo de férias, de reencontro entre familiares que a vida tantas vezes separou geograficamente. Moldura de preocupações e limitações nos laços de convívio no quadro da pandemia do invisível vírus que nos pode levar a questionar se o mosaico das Festas dos anos anteriores era assim tão importante.

Vivemos um tempo em que a grande maioria das pessoas nascidas no interior saiu da sua terra de origem, embora a ela continuem ligadas pelos laços da história e da tradição, sobretudo pelos afectos – já que a nossa terra constitui a pequena pátria da saudade e da ternura, que tornam mais forte e genuína a vibração da afectuosa pauta dos laços da infância.

Agosto era mês de festas, feiras e festivais, num imenso mosaico de eventos de celebração, em todos os estilos e géneros, gostos e geografias tão variadas deste nosso Portugal. Era um correr de artistas nacionais e estrangeiros seguidos por multidões. Importa analisar e o envolvimento das Autarquias na promoção e organização, implicando recursos públicos em tantas festas, feiras e festivais. Qual a mais-valia para o território e para as suas gentes?

Não me canso de destacar que as Autarquias são pessoas colectivas de direito territorial e, portanto, o desenvolvimento do território e das suas gentes constitui o seu objectivo e razão de ser. Território que a população residente ao longo de sucessivas gerações gerou e moldou, quer no aspecto produtivo, quer na vertente histórica e cultural, designadamente as tradições, os valores e os símbolos de identidade e auto – estima das pessoas. Cada Autarquia usa a publicidade e abusa de grandes cartazes. Mas, o destaque em tais programas e cartazes têm sido os produtos e as potencialidades locais? A história e a tradição para valorizar a identidade do seu território? Para divulgar os grupos e os artistas do concelho? Todos vemos, lemos e ouvimos que, regra geral, não! Antes, têm sido os nomes dos designados espectáculos dos grandes artistas e grupos que, por uma noite, durante algumas horas colocam cada Vila ou Cidade no efémero tempo de antena da Comunicação Social. Contudo, pouco têm a ver com a realidade produtiva e cultural do concelho. Chamam gente, consumidores apressados de eventos gratuitos para os consumidores, mas que são pagos com dinheiro público. Um ou mais artistas por noite e multidões atraídas, e o que fica da concentração de milhares que se deslocam de espectáculo em espectáculo, em modelos e formas que se repetem? Tantas vezes apenas fica o terreno pisado, jardins e mobiliário público danificados e cheios de lixo.

E o apoio da realidade cultural de cada concelho? Por vezes lá aparece metido no programa algum acordeonista, rancho folclórico ou banda filarmónica. Contudo, a grande parte do dinheiro gasto destina – se para as ditas “estrelas” de fora do concelho. Os milhares de Euros gastos com a montagem, o aluguer de equipamentos e o pagamento aos que vêm de fora, ultrapassam em muitas vezes o apoio que a Autarquia destina ao longo do ano ao conjunto dos artistas e colectividades do concelho. Tantas vezes os tais grandes cartazes indicam a utilização de fundos de programas europeus atribuídos supostamente para desenvolver os territórios pobres e de baixa densidades como os do nosso interior, mas cujo despovoamento e empobrecimento se tem continuado a agravar ano após ano. Será que se acredita que a presença massiva efémera e momentânea de consumidores de espectáculos contraria o despovoamento? Ninguém se tem interrogado? Nem quem aprova os fundos europeus, nem quem os gasta assim na profusão repetida de festas, feiras e festivais, que se têm realizado ano após ano e sem impacto visível no desenvolvimento do território? E que dizer da concorrência entre as Autarquias, cada uma para seu lado a puxar a sua sardinha para a clientela de interesses de grupo e não para o planeamento, o marketing territorial, a definição de prioridades com medidas concretas, com critérios objectivos tendo em vista as reais potencialidades de cada concelho, que possam ser conhecidas, avaliadas e controladas.

Pode esta paragem, devida aos problemas da pandemia, servir para uma reflexão profunda e de avaliação? Ou quer-se apenas voltar para a dita “normalidade” dos anos anteriores? Será que colectivamente se vai dar mais valor ao essencial, ao que nos pertence e nos identifica? Aos valores, tradições e potencialidades genuínas e autênticas?

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