Lufada de ar fresco

Na espuma das ondas desta pandemia irritante alguns acontecimentos que antes prendiam a atenção mediática passam agora ao lado do interesse noticioso. A política, como a economia, tem dormitado numa espécie de lay off letárgicoe com ela o escrutínio democrático da comunicação social e das próprias oposições, deixam o poder ao livre arbítrio, no país, mas também na região.

Aos poucos, mas ainda a medo, a vida na Beira Interior vai retomando alguma normalidade e a normalidade já era antes o alheamento das populações locais em relação às decisões políticas. Entre a prevista perda de mandato de Luis Correia, as mudanças no TAF e os incidentes da Central de Almaraz, as eleições distritais do PS passaram quase despercebidas.

A pandemia deitou retardante na ebulição política do distrito que ficou em lume brando e que agora, com o desconfinamento, dá sinais de reacendimento nos principais focos.

Sobre a vitória de Vitor Pereira, declaro desde já as minhas “manifestações de interesse” enquanto ex-militante socialista e habitual mas não fiel, votante. Declaro também que sou amigo pessoal do novo presidente da distrital de Castelo Branco, a quem dou os parabéns pela vitória e a quem desejo o melhor sucesso na sua difícil tarefa de arrumar a casa.

Em face dos complexos e obscuros enredos em que o PS Castelo Branco (PSCB) tem andado mergulhado, precisava-se de uma lufada de ar fresco. Vitor Pereira pode ser uma espécie de Messias na conturbada teia em que o partido se afundou desde a saída de cena de Joaquim Morão. Terá, em primeiro lugar, que unir o partido, coisa que prometeu fazer. E isso pode não chegar para o credibilizar caso lhe falte coragem para afastar os do costume, os que apenas se servem do aparelho partidário para obter dividendos pessoais e familiares. Uma coisa parece certa: não terá vida fácil.

É sabido que algumas autarquias socialistas do distrito têm sido notícia pelas piores razões, o que descredibiliza o partido e afasta as pessoas da participação cívica. Mas pior que isso é o impacto negativo que essas questões provocam no desenvolvimento local, ou na falta dele. Alguns autarcas, a braços com processos judiciais, vêm-se forçados a concentrar a sua energia para se defender, enquanto a causa pública fica para trás.

Para além da vitória de Vitor Pereira, o PS, como o PSD e outros partidos, continuará a ser gerido em regime de caciquismo e de grupos de interesse. Impunha-se uma mudança de paradigma, mas essa teria que vir de cima. Em muitos dos nossos municípios há uma meia dúzia de pessoas que decide quem será o próximo presidente de câmara, em alguns casos é a mesma pessoa que dá as cartas durante décadas. Na atual conjuntura é raro – e ainda mais raro no futuro próximo – um “anti-sistema” chegar a ser eleito nas autarquias. Num distrito com mais de 220 mil pessoas, votaram pouco mais de mil nas eleições do PSCB, o que traduz pouca militância e muito alheamento. A possibilidade de votarem também os simpatizantes, ensaiada por Seguro, com os atuais dirigentes partidários nacionais dificilmente se retomará, o que é pena. O PS lá saberá porquê, mas os exemplos de França, Itália, Grécia e outros países, em que os socialistas foram varridos do espetro político, deviam levar a uma reflexão sobre a forma como o partido funciona. Claro que o mesmo se aplica a outros partidos.

António Cabanas
Sociólogo
Penamacor

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