Os cheiros e sabores da Páscoa

Pedro Silveira
Peraboa

Estamos na Quaresma, não se dança, não se canta e guarda-se jejum às sextas-feiras. Em tempos era assim. Apesar das mudanças, vivemos uma época de recolhimento e, ao mesmo tempo, de esperança. Os dias tardios e longos permitem a todos viver a plenitude da primavera. É um tempo raro de beleza que preenche as nossas aldeias.

Depois das amendoeiras em flor para os lados da Capinha, seguem as das cerejeiras que hão-de invadir a Cova da Beira com o seu manto de flores brancas. Estamos a viver dias felizes. Por Peraboa, a verdadeira janela para Serra da Estrela, observamos esse templo mágico de uma planície infinita. As ruas labirínticas cheiram a saberes e sabores da Páscoa. A lenha de oliveira seca e o fumo sai do forno. Preparam-se por estes dias fartos e gulosos bolos da Páscoa da aldeia.

As mulheres sacam das velhas receitas herdadas pelos segredos das suas mães. Ouve-se a euforia à volta do forno. Ouve-se o bater dos ovos à mão, junta-se a farinha e o azeite tirado do pote velho e os bolos de leite crescem lentamente no forno. Espreitamos lá para dentro e a massa amarelada cresce e o açúcar polvilhado brilha ao cozer. Tiram-se as primeiras iguarias com a pá. Para assegurar a temperatura do forno queimaram mais molhos de vides já secas.

Apressadas, as mulheres passam à próxima receita e começa-se amassar os borrachões. Para tal, enxertou-se a pipa do vinho branco para fazer essa iguaria única, que só os peraboenses sabem fazer. Os cheiros dos bolos invadem a nossa terra. Prova-se logo na primeira cozedura os bolos e, já agora, bebe-se um copito de vinho branco.

O calor do forno provoca sede. Come-se mais uma mastiga de bolo. A garotada chega e pede às mulheres que cozam umas doses de esquecidos. Durante semanas guardaram-se dezenas de ovos. As pitas com as temperaturas agradáveis aumentaram a postura de ovos. São todos poucos. É provavelmente a único bolo conventual da nossa região.

A vassoura para varrer o forno nasceu de giestas frescas e verdes. À noite chegam os ca chopos de Lisboa. Ao longe os filhos, os netos vão observando a feitura dos bolos através de diversas videochamadas. Entretanto, os bolos da Páscoa já fazem sucesso nas redes sociais publicadas ali mesmo. Para terminar a jornada, ainda se amassa um pouco de farinha tipo 55 para se confecionar umas bolas de azeite.

Parece que nestes dias a aldeia foi temperada com os cheiros do borrego assado e com outras comidas que vão encher as mesas das nossas famílias.

É um tempo litúrgico de mudanças, das tradições mais longínquas. No dia da Ressurreição nada faltará. Um Saber Receber que continua presente na vida das famílias.

Se há tradição que todos nós gostamos tem a ver com a invasão à torre da igreja. Durante toda a tarde os jovens sobem à torre e tocam euforicamente o sino, anunciando a festa, a Ressurreição de Cristo.

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