Hoje é um território sem gente mas nem sempre foi assim. Nos anos 50 do século passado o nosso mundo rural fervilhava de vida, com escolas a abarrotar de crianças e com campos repletos de ranchos de trabalhadores. Apesar das carências da época, as pessoas pereciam até ser mais felizes, o futuro mais promissor e a existência de gerações novas garantia a continuidade das comunidades.
Custa dizê-lo, mas a verdade é que qualquer entrevista numa aldeia dá hoje conta de gente sem esperança, saudosa do passado, à espera da morte.
Ter pouca população não é por si só nenhum problema. Pode viver-se bem e ser-se feliz em zonas de baixa densidade, bem melhor do que na selva competitiva da grande cidade. O problema são as oscilações demográficas acentuadas, seja no crescimento, seja no esvaziamento. É a falta de gerações de continuidade e o sobe-e-desce em curtos períodos de tempo que gera instabilidade, com todos os males que lhe estão associados. Veja-se o património construído, outrora pulverizado de casinhotos abarracados e hoje em ruinas. Vejam-se os campos e a natureza, ora excessivamente pressionados, ora ao abandono e pasto de fogos.
Em meados do século XX qualquer aldeia beirã tinha um ou dois lagares, dois ou três moinhos ou atafonas e mais uns quantos teares, para não falar de uma série de outras atividades industriais e artesanais de menor expressão. Em redor da Serra da Estrela, por exemplo, centenas de fábricas geravam riqueza e empregavam milhares de pessoas. Era o emprego que permitia antes e não permite agora uma população mais numerosa no nosso mundo rural. Falharam as políticas públicas, sobretudo a falta delas. Os sucessivos governos demitiram-se da sua obrigação de prever, de planear e por vezes de contrariar a tendência, deixaram-se ir na vaga, a reboque da Europa, do grande capital e dos mercados.
Ofuscados com os milhões da Europa, não soubemos acautelar a nossa agricultura, em que tem de assentar o mundo rural e hoje temos um mundo rural sem agricultura, ou pós agrícola, como eufemisticamente lhe chamam os sociólogos! Permitimos que nos fechassem os lagares porque supostamente poluíam os rios, ou que substituíssem os nossos produtos fabris por outros de inferior qualidade, produzidos na ásia com mão-de-obra infantil.
A população amontoa-se em algumas regiões do país, onde os tais milhões foram sendo despejados às pazadas. Veja-se como a Madeira, outrora uma das regiões mais pobres de Portugal, beneficiando do estatuto de região autónoma, depressa se tornou num dos mais desenvolvidos destinos turísticos de Portugal. Já o interior, vivendo das migalhas que sobravam de Lisboa, foi definhando e expulsando os seus ativos para fora do território.
Não nos parece que as recentes políticas de valorização do interior venham inverter o processo de degradação do mundo rural nacional. No estado a que as coisas chegaram só um autêntico programa de coesão, semelhante ao que a Europa proporcionou aos estados membros mais carenciados, poderá resolver o problema com alguma rapidez. Com mezinhas levará décadas! Até porque Lisboa e o litoral continuam a achar que não precisam do resto do território, apenas se lembrando dele para lhe sugarem os recursos geológicos e a água. O interior é aliás um fardo para lisboa, uma autêntica dor de cabeça, sorvedouro de verbas em meios de combate a fogos, cheias, geadas e secas!
António Cabanas, Sociólogo, Fevereiro 2020