Antes do 25 de Abril não havia serviço de saúde universal. A saúde estava a cargo das famílias, das instituições privadas ou da previdência. As Misericórdias geriam grande parte das instituições hospitalares e outros serviços por todo o país; Os Serviços Médico Sociais prestavam cuidados médicos aos beneficiários das Caixas de Previdência; Os Serviços de Saúde Pública estavam vocacionados essencialmente para a prevenção da doença e proteção da saúde (vacinação, saúde materno-infantil, saneamento ambiental, etc.); Os hospitais públicos gerais e mais diferenciados encontravam-se localizados sobretudo nos grandes centros urbanos; Só tinham acesso a cuidados privados as classes sociais economicamente mais favorecidas.
Ao longo da década de 60, Portugal apresentava os piores valores em termos de indicadores de saúde, entre os quais a mortalidade infantil (por cada 1000 crianças nascidas, 53,7 morriam antes de completar o primeiro ano de vida), comparativamente com os outros países da Europa, sendo o país com pior cobertura da população em saúde (18% da população coberta para uma média europeia de 70.9%).
Apenas em 1971 se reconheceu em Portugal o direito à saúde com a criação dos centros de saúde de 1ª geração de cariz preventivo, vocacionados para o que então se entendia por saúde pública, incluindo actividades como a vacinação, vigilância materno-infantil, saúde escolar e ambiental.
O 25 de Abril de 1974 definiu para os portugueses linhas de liberdade e a revolução a todos os níveis, designadamente na saúde.
Em Setembro de 1979 foi criado o Serviço Nacional de Saúde geral e universal, com acesso garantido a todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica e social.
A cobertura universal de saúde significa que todas as pessoas têm acesso aos serviços de saúde de que precisam, quando e onde precisam. Inclui toda a gama de serviços essenciais de saúde, da promoção da saúde à prevenção, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos.
Em 1975 o Serviço Médico à Periferia foi um acontecimento extraordinário como embrião e consolidação do Serviço Nacional de saúde. Foi esta estratégia que ajudou a cumprir o objetivo de melhorar os índices em saúde (no período entre 1971 e 2008, Portugal registou uma diminuição de 94 por cento na sua taxa de mortalidade infantil, o que constitui um dos casos de maior sucesso na melhoria deste indicador, sendo a diminuição média observada no conjunto da UE de 51,6 por cento) e garantir a generalização do direito à saúde, que é reconhecido na Constituição da República Portuguesa, mas que, sem a dimensão do acesso, isto é, sem que os Portugueses tivessem acesso efectivo e atempado à prestação de cuidados, de nada serviria.
O Serviço Médico à Periferia eliminou barreiras no propósito de prestar cuidados de saúde a todos em todo o território nacional, até ao interior profundo. Após um ano de Internato Geral, a seguir à licenciatura em medicina, os médicos eram obrigados a cumprir um ano de serviço médico fora das cidades, para levar a medicina aos concelhos do interior pobre, carenciado e abandonado.
Esta experiência, para além do impacto na saúde das populações e da criação de ligações afectivas entre o povo e os jovens médicos, contribuiu para muitas transformações sociais, culturais e económicas e para a construção de um país mais justo e solidário. O caminho que foi aberto e percorrido parece ter contribuído para o desenvolvimento dos locais, para a consciencialização dos direitos de liberdade, de bem-estar e, entre outros, do direito aos cuidados de saúde. Portugal era um país onde muitos nunca tinham visto um médico. Com o Serviço Médico à Periferia passaram a ter acesso a cuidados de saúde prestados por jovens médicos empenhados, dinâmicos e com entusiasmo se entregaram de corpo e alma à missão de levar longe mais e melhor saúde.
Até aí as gentes que trabalhavam pedaços de terra para sua sobrevivência, só podiam recorrer a escassos mas prestigiados médicos estoicamente residentes nas aldeias, sem poder pagar ou então pagar as consultas em “géneros”. O serviço Médico à Periferia proporcionou, também, o encontro de gerações, a partilha de experiências e conhecimentos, com esses médicos mais velhos, retratados, no romance As Pupilas do Senhor Reitor de Júlio Dinis, como “João Semana”, figuras ímpares da história da medicina e classe médica da sua época.
Foi o Serviço Médico à Periferia que, após a revolução de Abril, lançou a primeira pedra do SNS.