Belmonte: O Futuro Não se Constrói em Museus

Nuno Soares
Diretor da Rádio Caria

Belmonte é uma terra onde as pedras contam histórias.
Há um castelo no cimo da vila que já viu séculos passarem por baixo das suas ameias. Há a memória de Pedro Álvares Cabral, que partiu daqui para dar “novos mundos ao mundo”. E há a história do povo judeu sefardita, que sobreviveu às sombras da intolerância e manteve acesa uma chama de identidade quando tudo parecia apagado.
Mas entre o orgulho do passado e o peso do presente, vive-se hoje uma realidade que não cabe nos folhetos turísticos. Porque quem cá vive, sabe: a História não dá de comer. E os museus, por mais bem iluminados que estejam, não garantem salários no final do mês.
A economia de Belmonte é, como em tantos concelhos do interior, uma economia de resistência. A indústria têxtil, que em tempos enchia armazéns de costureiras, é hoje um ramo mirrado, com pequenas unidades que lutam contra custos de produção cada vez mais altos e margens cada vez mais baixas. Os produtos agroalimentares – o mel, o azeite, o queijo – são de qualidade ímpar, mas continuam a ser vendidos ao desbarato, sem estratégia de marketing ou distribuição que permita valorizar o que é nosso. Somos fornecedores anónimos de grandes marcas que depois, nos rótulos e nas prateleiras, se esquecem de dizer que aquilo que vendem com pompa foi feito cá, com as mãos dos nossos.
O setor dos serviços vive à boleia do turismo. Mas é um turismo frágil, sazonal, dependente do bom tempo, dos fins de semana prolongados e de um ou outro autocarro que sobe a Serra da Esperança. No resto do ano, há cadeiras vazias nos restaurantes, camas frias nos hotéis e montras apagadas nas lojas. O comércio local resiste por teimosia, mas essa teimosia tem limites.
O problema não é de hoje. É de décadas. De décadas de esquecimento e abandono do interior. De décadas de políticas centralizadas que trataram Belmonte – e tantos outros concelhos pequenos – como notas de rodapé no orçamento de Estado.
E no entanto, continuamos a ouvir as mesmas promessas em cada ciclo político. Prometem tudo: novas oportunidades, captação de investimento, apoio ao comércio local, estímulo ao empreendedorismo. Depois da promessa, segue-se a fotografia e, por fim, o esquecimento.
Belmonte não precisa de mais placas inaugurativas. Precisa de ação concreta.
Não basta promover eventos ou feiras de gastronomia. É preciso ajudar quem quer produzir a sério, criar um plano de exportação direta para os produtos locais, negociar com redes de distribuição e ensinar os produtores a ganhar margem. Porque o verdadeiro problema não é fazer azeite, é vendê-lo bem.
Não basta abrir museus sobre a cultura judaica. É preciso criar um roteiro internacional da diáspora, trabalhar com as comunidades sefarditas em Nova Iorque, em Amesterdão, em Israel, e trazer essas pessoas cá, mostrar-lhes a terra dos seus antepassados e fazer disso um motor económico, cultural e emocional.
Não basta falar de empreendedorismo nos discursos. É preciso criar condições reais: baixar impostos locais para quem investe, facilitar licenciamentos, criar incubadoras com apoio técnico e jurídico. Não adianta dizer aos jovens para ficar se tudo o que lhes damos é a hipótese de esperar por um emprego camarário ou de emigrar.
O interior não é um sítio pobre. É um sítio empobrecido por quem decidiu virar-lhe as costas.
E Belmonte não merece esse destino. Não pode ser apenas uma terra de memórias. Porque o maior risco que corre uma vila como esta não é perder turistas – é perder os seus próprios habitantes. Quando uma terra se esvazia de gente, torna-se um cenário. E um cenário, por mais bonito que seja, não é um lugar onde se viva.
Por isso, fica o apelo. Ou melhor, o aviso: o tempo das desculpas acabou. É preciso que quem governa – local e nacionalmente – perceba que o interior não quer esmolas nem festas. Quer oportunidades. Quer justiça. Quer trabalho. Quer futuro.
E isso não se constrói em museus.

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