Belmonte, terra de memórias e permanências: recados ao futuro presidente da Câmara

Nuno Soares
Diretor da Rádio Caria

Escrever sobre Belmonte é mergulhar num território onde a memória e a permanência se entrelaçam de forma singular. Cada pedra do castelo, cada rua da vila antiga, cada ritual da comunidade judaica sobrevivente, cada colheita agrícola ou feira popular são testemunhos de uma identidade que resistiu às adversidades do tempo e que, ainda hoje, molda o caráter do concelho.
Esta herança, contudo, não é apenas um património para contemplar. É um desafio. O futuro presidente da Câmara Municipal de Belmonte deve ter consciência de que não assume apenas uma função administrativa: assume a responsabilidade de garantir que esta autenticidade não se dilui na pressa de uma modernidade mal entendida. O turismo, que tem sido motor de dinamização, deve ser consolidado com inteligência, sem transformar o genuíno em espetáculo para consumo rápido. Belmonte não precisa de cenários artificiais — a sua força está na verdade das tradições, na mesa onde se partilham os enchidos, na palavra de quem conta a história de um povo resiliente.
Mas governar Belmonte exige também coragem para enfrentar os dilemas que se impõem ao interior. O concelho perde população, os jovens partem por falta de oportunidades, as freguesias esvaziam-se de vida. É preciso criar políticas eficazes de fixação de pessoas, com emprego estável, com habitação acessível, com apoio às famílias. A valorização do setor agrícola, a promoção dos produtos locais e a atração de investimento devem ser prioridades incontornáveis. A tradição é riqueza, mas não basta para sustentar o futuro.
Outro recado: Belmonte não se pode isolar. A ligação ao território mais vasto da Serra da Estrela, a cooperação com os concelhos vizinhos, a integração em redes de desenvolvimento regional são condições indispensáveis para que este município afirme a sua relevância. O futuro presidente não pode governar de costas voltadas para esta realidade, porque o isolamento nunca foi solução para os problemas estruturais do interior.
Belmonte tem uma narrativa única de resistência e reinvenção. Foi terra que guardou em silêncio rituais proibidos, que soube preservar uma identidade singular e que hoje se orgulha dessa diferença. Esta história é mais do que passado: é fundamento para um futuro que precisa de ser pensado com seriedade. O próximo executivo tem de perceber que não basta inaugurar obras ou organizar festas. É necessário criar condições para que os belmontenses permaneçam, para que as escolas não esvaziem, para que a vida comunitária não se reduza a memórias.
Em tempo de eleições, o essencial impõe-se com clareza: Belmonte não precisa de discursos ocos, nem de promessas fáceis. Precisa de uma liderança capaz de unir tradição e desenvolvimento, de ouvir o território e as suas gentes, de compreender que a preservação da identidade é condição para a construção do futuro.
O novo presidente da Câmara terá de ser guardião desta herança e, ao mesmo tempo, visionário de um caminho que responda às necessidades de hoje. A sua missão não será apenas gerir, mas sim conduzir Belmonte à altura da sua história. É essa a exigência, e é essa a responsabilidade que o povo de Belmonte lhe entregará.

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