Na sociedade actual, a igualdade de género é cada vez mais relevante. Não uma igualdade absoluta, mas antes, identidade de direitos e deveres concretos que cada vez mais se traduzam na vida social, económica e cultural dos nossos dias. Contudo, a sociedade rural com os seus valores e características era, regra geral muito fechada, o marido representava e respondia pelo agregado familiar, ocupando o vértice da pirâmide como chefe da família. Era esperado que o homem assegurasse o sustento da família e a defendesse em todas as situações. A vida sexual era assunto tabu, remetendo a mulher para uma situação de subalternidade e de espera, sujeita aos sucessivos filhos ao longo dos anos da sua vida fértil, ao ritmo cadenciado dos períodos da amamentação.
A família era o “castelo do homem”, o seu domínio privado: “entre marido e mulher, ninguém meta a colher, dizia o povo. Era geralmente reconhecido que o homem tinha sempre razão e era aceite que exercesse a sua autoridade conforme o seu feitio e, também, os seus vícios, como o do álcool e o do jogo, o que muitas vezes comportava formas de violência mais ou menos disfarçada.
A mulher não tinha fontes de rendimento próprias nem autonomia perante a sociedade. Já dentro de casa, no seio íntimo da família, na orientação dos filhos, as relações de poder ou pelo menos de influência eram muitas vezes bem diferentes. Nas tarefas rurais dos ciclos produtivos, nos trabalhos do campo, embora o homem marcasse o calendário e o ritmo, a mulher desempenhava um papel fundamental de ajudante e companheira no trabalho. Contudo, o seu dia era mais longo, pois que para além da jornada das lides do campo, cuidava da casa, preparava as refeições e cuidava dos filhos.
No seio da família, a posição da mulher era ficcionada de “rainha”. Contudo, sem meios e autonomia, sobretudo sem dinheiro seu ou de que pudesse dispor de forma livre, revelava-se exímia em imaginação, engenho e arte no encontrar soluções úteis e práticas. Mulher e mãe, em heroísmo silencioso, dedicava-se até ao sacrifício sem limites, sem pensar em si própria. Uma das suas maiores alegrias era ter pelo menos uma filha que a ajudasse no dia a dia e viesse a dar apoio na velhice, pois o que conta é a voz do sangue, até como diz o povo: “Papo de nora ou de genro, nunca está satisfeito”. Os filhos rapazes eram afastados das lides da casa e acompanhavam o pai nas lides do campo. A partir de meados do século passado, com a obrigatoriedade de as crianças frequentarem a escola, a situação começou a alterar-se, embora às filhas continuasse reservado o domínio da cozinha e da costura, até para a confeção do bragal com vista ao casamento. A mulher, esposa, mãe e parceira dos trabalhos agrícolas, embora regra geral fosse subalternizada pelo marido, chefe de família destacou-se pela sua disponibilidade e empenhamento fecundo. Dedicadas educadoras e sensíveis cuidadoras da memória como depositárias de saberes e de valores, pois mesmo sem instrução escolar, souberam cultivar e transmitir os seus genuínos alfabetos funcionais – os seus saberes, modos de sentir, de ser, de fazer e de estar.
Na casa rural, a cozinha era o lugar onde mais se aprendia. Era aqui que a mulher acendia o lume na lareira praticamente todos os dias, preparavam-se as refeições e se partilhavam os tempos do vagar na pauta dos afectos. Dava-se sentido e sabor ao tempo, nas pausas dos ciclos sazonais dos trabalhos no campo. A cozinha era o espaço mais acolhedor e hospitaleiro da casa, mosaico de cheiros e sabores, de especial sociabilidade e de exercitação espontânea do património de oralidade, maneiras de fazer, de sentir e de contar, nunca antes escritas, mas que se aprendem porque são contadas, se sentem porque revividas. Santuário do ser, em gestos quentes de recordações partilhadas entre gerações ligadas pelas memórias dos pais e dos avós que se tornam pauta de exemplos e de afectos, partilhadas narrativas de vivências e testemunhos de gente simples de rostos marcados pelo sol. A nossa gente, que se veste de gestos autênticos, que mantém bem vivas as suas raízes e as cantam e dançam em terna pauta de alegria genuína. Gente de mãos calejadas que, em heroísmo silencioso, humanizou a terra que habitou e no-la entregou enriquecida, rica herança de valores e afectos.
A minha singela homenagem à mulher rural, mãe e companheira de enorme força, doce e serena.
A voz silenciosa
das vossas mãos,
pacientemente tece
na alvura do linho
a ternura do ninho
em que a vida se merece.
Silêncios de nascentes
sereno alimento de rios,
ternas margens
carinhos quentes
de serenos sorrisos.
Silenciosas sentinelas
da irrequieta infância.
Incansável abelha-mestra
e doce favo de mel
a educar a incontida ânsia
em assumir novo papel.
Mulher, mãe
agricultora, jornaleira
de sol a sol.
Firme companheira
das domésticas canseiras
em tão grande rol.
Os vossos rostos,
campos lavrados
em fecundos silêncios.
Prados rendilhados,
delicada dignidade
em singelas páginas
de eternidade!