Emigrantes

Meu Querido Mês de Agosto – Artigo de Opinião Dr. Manuel Geraldes

Ei-los que chegam, novos e velhos. À chegada, abrem portas e janelas da casa que um dia foram obrigados a abandonar. São emigrantes.

Para uns, todos os anos se vão fechando, aos poucos, portas que abriram ao longo do tempo, para outros, não é a primeira vez nem será a última.  

Durante anos e anos partilham os sacrifícios e a mesma utopia de sonho à procura de outros horizontes de vida e de trabalho. Lutam por uma vida melhor com armas desiguais noutro país, longe e diferente, que alguns já adoptaram como pátria. Não renegam a sua, onde comeram o pão que o diabo amassou, onde, e ainda, se sentem os filhos da nação. Partiram, mas voltam de quando em quando, roídos de saudade, porque existe a palavra saudade, porque há memórias que preenchem os dias e é preciso alimentá-las para não esquecer o berço onde nasceram, a família e os amigos. É preciso apagar os ressentimentos contra o país real que deixaram atestado de pobreza, desigualdade, injustiça e opressão, o país subdesenvolvido com pobres cada vez mais pobres e ricos cada vez mais ricos, à custa dos pobres.

Um país adiado e sem esperança.

Não sabiam, nem podiam saber que a esperança havia de nascer um dia, num dia de Abril, dias, meses ou anos depois de partirem.

Despovoaram-se aldeias, vilas e campos, que ficaram mais silenciosos; separam-se famílias em lágrimas que correram, nesse drama de fazer e refazer de vida familiar e social; alteraram-se destinos para fugir à fome; interromperam-se e reinventaram-se futuros anunciados; viveram-se angústias, aventuras e desventuras, que porventura as palavras nunca saberão contar na sua dimensão exacta.

No Estado Novo, ditadura de Salazar e guerra colonial, foram milhares os emigrantes que, entre os anos cinquenta e setenta, de forma clandestina e a “salto”, passaram a fronteira, esse espaço comum de resistência, de saída e de chegada, um desafio de liberdade e de fuga à opressão e ao medo, correndo o risco de prisão e expulsão.

Entre o medo, frio, sede e fome, galgavam-se muitos dias, grande parte deles a pé, para chegar ao destino em França ou Alemanha. Passar da Espanha, que vivia a ditadura de Franco, para França, era o “salto” mais penoso, sendo preciso calcorrear trilhos, atravessar rios e montanhas nevadas dos Pirenéus. Se uns foram vítimas, vigarizados pelos “passadores”, perseguidos e presos pelos carabineiros e obrigados a voltar atrás, outros foram heróis porque, em condições adversas, viveram momentos de felicidade, chegando ao destino.

O Estado Novo sempre condicionou a emigração, primeiro para evitar a saída de mão-de-obra e mais tarde para impedir a redução do número de soldados, necessários para a guerra nas colónias.

Muitos foram os que não emigraram clandestinamente. Emigraram mediante “carta de chamada” emitida pela “Mairie” (Câmara), a pedido de um emigrante aí residente, desde que cumpridos determinados critérios, designadamente, contrato de trabalho e residência claramente comprovada. A “carta de chamada” era a via mais eficaz de juntar a família no país de acolhimento.

A história de Portugal é também a história daqueles que partiram e daqueles que continuam a partir. Ei-los que partem, velhos e novos.

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