
Diretor da Rádio Caria
Quando um bombeiro morre, não é apenas o silêncio de uma sirene que ecoa no vazio, nem apenas um uniforme que deixa de ser vestido. É a interrupção brutal de uma vida que se confundia com a própria palavra coragem. É um coração que ardia na chama da entrega e que, de repente, se extingue, deixando em todos nós um frio impossível de aquecer.
Um bombeiro não é apenas alguém que combate incêndios. É, antes de tudo, um guardião anónimo da nossa tranquilidade, um sentinela da esperança, um guerreiro da vida. É aquele que, quando todos fogem, avança. É aquele que, quando o medo paralisa, age. É aquele que se ergue diante do impossível, porque sabe que no outro lado da catástrofe há sempre alguém à espera de ser salvo. E, quando um bombeiro morre, não morre apenas um homem ou uma mulher. Morre um pedaço da nossa própria humanidade, morre o reflexo mais puro do que de mais nobre existe em nós.
Recentemente, na Covilhã, tombou um desses gigantes silenciosos. Um homem que saiu de casa sabendo que talvez não regressasse, mas que nunca, em momento algum, vacilou na sua missão de estar presente onde o perigo é maior. Um homem que, ao vestir a farda, fez um pacto com a incerteza da vida para que os outros pudessem ter a certeza de sobreviver.
A sua morte é uma tragédia que dilacera a família, que fere os camaradas de quartel, que abala a comunidade e que entristece um país inteiro. É um corte profundo no coração de todos os que, mesmo sem o conhecer, sabem que nele habitava o mesmo espírito de todos os bombeiros: o de dar tudo sem pedir nada em troca. É uma ferida que não cicatriza porque nos recorda, cruamente, que aqueles a quem tantas vezes pedimos auxílio, noite e dia, debaixo de chuva ou de fogo, são seres humanos que, no limite, colocam a nossa vida acima da deles.
Quando um bombeiro morre, não desaparece apenas uma figura. Desaparece um pai que deixa órfãos, um filho que deixa pais em pranto, um amigo que deixa abraços por dar, um irmão de armas que deixa uma corporação mutilada. E nós, como povo, ficamos mais pobres, mais pequenos, mais frágeis. Ficamos de luto não apenas por quem partiu, mas também pela consciência do quanto devemos e do quanto raramente dizemos.
Nestes dias, não há partidos, não há ideologias, não há divisões. Nestes dias, um país inteiro curva a cabeça. Nestes dias somos todos parte da mesma família, unidos na dor e no respeito por aquele que tombou. As lágrimas da Covilhã confundem-se com as lágrimas de Portugal, porque quando um bombeiro cai, a sua queda ecoa em cada aldeia, em cada cidade, em cada lar.
À família enlutada deixo o abraço maior do mundo, um abraço carregado de silêncio, mas repleto de gratidão. Aos feridos, deixo um apelo à esperança: que encontrem forças para se reerguer, porque a vossa missão não terminou, porque ainda há vidas que precisam de vós e um país que se orgulha do vosso serviço.
E deixo também um compromisso: que esta morte não seja apenas um número nas estatísticas da tragédia, mas um grito que desperte a nossa consciência coletiva. Que saibamos olhar para os bombeiros com a reverência que merecem, não apenas quando a morte nos sacode, mas todos os dias, em cada gesto, em cada palavra de reconhecimento. Que nunca falte o nosso “obrigado” em vida.
Quando um bombeiro morre, o país deve parar. Deve calar as vozes fúteis, deve suspender a pressa do quotidiano e deve escutar apenas o peso do silêncio que nos resta. Porque nesse silêncio mora a promessa: a de que o seu sacrifício jamais será esquecido, de que a sua memória será eternamente luz, de que a sua coragem continuará a arder dentro de nós, como uma chama que nunca se extingue.
Agora, a Covilhã chora. Agora, Portugal chora. Mas, acima de tudo, agora Portugal agradece, de joelhos, diante de um herói.
Que descanse em paz.
Nuno Soares
(Foto de Capa Beira Baixa TV)
