Regadio – Uma oportunidade na Cova da Beira

A afirmação é do Presidente da Assembleia Geral da Associação de Beneficiários (regantes) da Cova da Beira, Paulo Silveira, à margem de uma reunião magna desta associação, onde para além da apreciação das contas de 2021, foram debatidos preocupantes assuntos, como a situação de seca extrema e o racionamento da água, o risco em que ficam algumas culturas com a falta de água, assim como a necessidade de haver bom senso, entre as necessidades dos agricultores e o cumprimento da lei a partir das determinações do Governo.
Nesta sessão Correio de Caria, falou ainda com o presidente da Junta de Freguesia da Capinha, que defende a ideia de criar na sua freguesia, uma espécie de Centro Histórico e Interpretativo, relativo ao Regadio na Cova da Beira e seus impactos.
Numa ocasião em que a Agricultura da Cova da Beira, parece um espaço apetecível para novos investidores, fala-se também na necessidade de fazer um amplo e profundo debate sobre os impactos das alterações Climáticas e a necessidade de se preparar para o futuro toda a região coberta pelo perímetro do Regadio da Cova da Beira.
Com o apoio do nosso colaborador Paulo Silveira, adiantamos uma breve resenha histórica sobre este importante empreendimento da nossa região.
Remontam ao ano de 1937 os primeiros sinais de esperança na “ideia” do regadio. Documentos posteriores demonstraram que o ambicioso plano viria a revelar-se um processo complexo e sinuoso. Segundo o precioso volume “ Crónicas das Águas que Passam”, que António Paulouro coordenou em 1981, o “assunto da rega em causa”, objeto de um relatório marcante do “Engº Trigo de Morais, foi considerado, anteriormente (em 1937 e 1948), pela então Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola, como tendo, de facto, elevado “interesse económico e social”, com a capacidade imediata de irrigação de largas centenas de hectares de terreno. Na edição do “Jornal do Fundão” de 9 de julho de 1950, o seu fundador e primeiro diretor iniciou a campanha pela construção do regadio. O texto destacava a intervenção do Engº Araújo Correia, deputado pelo círculo de Castelo Branco na Assembleia Nacional, respeitante aos “setenta milhões de metros cúbicos de água armazenadas na Serra da Estrela”, que poderia “irrigar dez mil hectares de terra na Cova da Beira”, e aos naturais benefícios económicos para as populações.
Em 1956, um estudo da Direção-Geral dos Serviços Agrícolas defendia conceção, de acordo com a qual, “ a Cova da Beira é uma das poucas regiões do país onde a cultura frutícola tem condições para prosperar, a ponto de poder competir com a produção de outras nações nos mercados internacionais; e, se isso ainda não for possível deve-se, entre muitas outras razões, ao facto de não ter sido dotada com a indispensável água de rega”. É no próprio contexto do “ruralismo” do Estado Novo, que deve ser apreciado a persistente defesa do empreendimento, com inquestionáveis vantagens numa vasta e heterogénea área cuja designação (popular e tradicional), “admirável de intuição geográfica”, para evocar uma célebre passagem de Orlando Ribeiro, nos remete para a bacia tectónica e/ou a zona depressionária que se desenvolveu entre a Serra da Estrela, a Serra da Gardunha e a Serra da Malcata.
As obras só arrancaram, efetivamente, com a chegada da “primavera marcelista”. Em 1969, instalaram-se no Fundão as brigadas técnicas, no domínio da topografia e dos estudos agrários. Ainda neste capítulo, seria imperdoável subestimar a figura notável do Dr. Duarte Simões e a criação, em 1970, do Grupo de Trabalho da Cova da Beira, o qual, juntamente com o Plano Geral do Aproveitamento Hidroagrícola, apresentado em 1973 (no âmbito da Direção-Geral dos Serviços Hidráulicos), e o próprio Instituto Politécnico da Covilhã, foram alguns dos seus grandes sonhos.
Numa visita ao perímetro de rega, em 1976, o Ministro das Obras Públicas, Coronel Almeida Pina, não hesitou em incentivar os responsáveis por “esta região mais próspera…”Elaborado em 1977 e assinado no ano seguinte, o Projeto de Aproveitamento Agrícola da Cova da Beira foi justamente considerado um fator de desenvolvimento regional.
Em 1986, com a visita ao “terreno” do Ministro do Plano, Valente de Oliveira, e o anúncio de novos investimentos, estavam em curso, entre outras medidas práticas, a evolução do tipo de agricultura praticada passando do estádio de subsistência ao de mercado”. Como facto curioso, importa recordar a criação, no referido ano (1986), de um significativo grupo de pressão, em defesa do Regadio, o qual integrava os Presidentes dos Municípios do Fundão, da Covilhã, de Belmonte e Penamacor e alguns docentes da UBI.
Data de 1990 o início da exploração do primeiro bloco, o da Meimoa. Com a conclusão do último Bloco do Fundão em 2016, ficou com uma área cerca de 13.000 hectares de regadio, com o Bloco do Sabugal, com 126 hectares; no de Belmonte/Caria, com 3.117; no da Covilhã, com 1.634 hectares; no da Meimoa, com 3.463; no da Fatela, com 424 hectares; no da Capinha, com 864 hectares e o do Fundão com uma área de 2020 hectares.
Constituída em 1989 a Associação de Beneficiários da Cova da Beira, tendo como objetivos primordiais, a eficiente gestão e conservação do aproveitamento hidroagrícola da região e o desenvolvimento de múltiplas atividades, integrados nas infra-estruturas (de armazenamento, de transferência e de distribuição), a quem, de acordo com as disposições estatuárias, prestam apoio, no cumprimento das questões de segurança e na salvaguarda dos interesses comuns, inerentes aos princípios do associativismo.
Em 1997, feito o “auto de entrega”, através do qual o Ministério da Agricultura e do Desenvolvimento Rural transferiu, para a Associação de Beneficiários, a exclusiva responsabilidade de proceder à gestão do Bloco da Meimoa, em 2009, da concessão da gestão das infraestruturas do aproveitamento hidroagrícola da Cova da Beira e, ainda, de uma Adenda, pela qual o Ministério atribui a conservação e exploração ao Bloco do Sabugal, também, uma outra, Adenda, de 2015, que procedeu à atribuição da gestão dos Blocos da Covilhã, do Fundão, da Fatela e da Capinha.
Após este processo histórico do Regadio da Cova da Beira que mobilizou um investimento total de, pelo menos, 320 milhões de euros servindo milhares de agricultores em 29 freguesias (distribuídas pelos concelhos de Belmonte, da Covilhã, de Fundão, de Penamacor e do Sabugal), ainda possamos olhar o regadio como uma fonte de soluções, não só no plano socio-ecónomico mas, também, no aspeto agro-ambiental, ser uma verdadeira mola para impulsionar produtos um pouco esquecidos ou para melhorar significativamente os resultados das várias culturas. O futuro da nossa região e, em particular, do microcosmos da Cova da Beira, o regadio seja uma esperança de vida, respeitando as causas da cidadania do passado, mas olhando firmemente para o futuro.

Paulo Silveira/jhs

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