As “folias” esquecidas do Espírito Santo

Paulo Silveira
Investigador
Três Povos

A investigação cientifico-social interdisciplinar se interessa pelos temas de carater religioso, é necessário que não se esqueça da outra face da cultura popular, um dever que ultrapassa de longe os controversos aspetos teológicos e nos convida a (re)descobrir alguns curiosos sinais da presença do “Divino” no património artístico-cultural da nossa Região.
Numa abordagem, muito sintética, impõe-se uma brevíssima referência, às origens do culto espiritano, as quais remontam ao século XII e aos cristãos que, na esteira de Joaquim de Fiora, viram nos religiosos defensores da utópica “Idade do Espirito” (e, em especial, nos meios ligados à espiritualidade franciscana) os arautos da evangélica “dinâmica trinitária”. Foi neste contexto histórico e devocional que a própria Rainha Santa Isabel incentivou as primeiras celebrações em Portugal, em localidades como Alenquer e Benavente”. (In revista “Lusitânia Sacra”, I série, 1962/63, tomo 6, pp.7-23).
A expansão destas práticas de piedade popular, particularmente enraizada no Interior (não esqueçamos o legado de Jaime Cortesão que imortalizou o Zêzere como “o Rio do Espírito Santo”), encontra-se relacionada com a tradição ancestral dos “bodos” (veja-se entre outros autores, Adelaide Salvado, “O Culto do Espírito Santo em Terras da Beira Baixa: as longínquas raízes”, 1988). Recorde-se a este respeito, que, embora aqueles momentos especiais de festa tivessem sido interditos nas Ordenações Filipinas, de facto, as autoridades eclesiásticas procuraram refrear as ligações fortes, por vezes, excessivas e mal vistas pela Igreja, entre o sagrado e o profano, as históricas determinações estabeleceram uma significativa exceção para as confrarias do “Divino”.
Ainda neste campo, conhecemos a genuinidade das célebres “folias” (que, como explicou o investigador J. Pinharanda Gomes, significavam “a alegria da festa do Divino”), criativas expressões lúdicas que marcaram o quotidiano pentecostal dos nossos antepassados e merecem ser retiradas da opacidade do injusto silêncio. Falamos, como é óbvio, de cerimónias “meio sagradas”, meio profanas”, de elevado interesse antropológico e humano, as quais ficaram célebres em muitas das nossas aldeias e vilas (Belmonte, Caria, Salgueiro, Peraboa, Benquerença, Meimoa…), em quase todas as aldeias e vilas há capelas em honra do Espírito Santo.
Jaime Lopes Dias no seu I Volume da “Etnografia da Beira,1927, p.85) descreve-nos assim as “folias” “vem de tempos distantes a devoção e as festas em honra do Espirito Santo(…) muito raras são as povoações que o não adoram em capela própria ou em altar privativo na igreja matriz, um culto, na folia, espécie de confraria meio sagrada, meio profana, instituída para implorar a proteção divina contra pragas e malinas que às vezes infestavam os campos.
A folia compõe-se geralmente de um rei, um pajem, um alferes, dois mordomos e seis fidalgos. Tem uma bandeira com a sua oleografia ou bordado onde o Espírito Santo é representado por uma pomba, uma varinha de madeira guarnecida com fitas de seda e flores artificiais, e uma coroa de lata igualmente ornamentada com fitas e flores”.
Nas Inquirições Paroquiais de

1758, o Pároco de Caria, Gervásio Pereira Campos referia em relação à paróquia de Caria“(…) na capela do Espirito Santo há uns mordomos que lhe fazem a sua festa do Espirito Santo, festejando com folias, pelo costume antigo que há nesta e noutras Províncias ( Canelo, David Augusto; Senhores, Cabrais e Camponeses em Belmonte”).

Entretanto, mudaram-se os tempos e as vontades, e, quando, no conturbado século XX, novas formas de exteriorizar as emoções se foram configurando nas comunidades do Mundo Rural, os fiéis debateram-se com o processo de aparente declínio de antigas festas aldeãs, associadas à “terceira pessoa” da Santíssima Trindade. No domínio da hierarquia egitaniense, foi, determinante o papel de D. José Alves Matoso (1860-1952), que tinha reconhecidas qualidades episcopais, mas era muito impulsivo. Por decreto de 15/05/1928, o prelado proibiu a entrada das “folias” do Espírito Santo, “uma coisa inteiramente profana”, nos recintos sagrados do território diocesano (cf. “Boletim da Diocese da Guarda”, Maio/1928).
Sinais dos tempos…

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