Entre o Horizonte dos Têxteis e os Termos da Quinta
João Carvalho, natural do Carvalhal Formoso, freguesia de Inguias, aqui frequentou a escola primária, o liceu e a Universidade na Covilhã e acreditou sempre em fazer futuro na nossa região. Aplicou a sua vontade de aprender o conhecimento adquirido e o seu espirito empreendedor, com a capacidade e a força que está no interior. É reconhecido como um empresário de sucesso nos dois ramos a que se dedicou, as suas marcas têm reconhecimento e prestigio, nacional e internacional. O Engº João Carvalho é um dos valores e exemplo desta região,incontornável para uma entrevista ao Correio de Caria.
Jorge Henriques Santos
Correio de Caria: A primeira questão é onde é que o Eng.º João Carvalho nasceu e onde foi criado?
João Carvalho: – Nasci nesta propriedade, naquela casa ali ao lado, há 62 anos.
C.C. – Onde estudou?
J.C. – Fiz a escola primária no Carvalhal Formoso, fiz a telescola, ainda havia a telescola. Fiz depois o liceu no Liceu Nacional da Covilhã. Fiz a Universidade na UBI e fiz depois as provas de aptidão pedagógica e cientifica, o mestrado digamos assim, em Barcelona no Conselho Superior de Investigações Cientificas.
C.C, – E qual a via que seguiu?
J.C. – Quando chegou a altura de seguir uma via, eu não queria sair da região e aqui só se podiam fazer três coisas: ou agricultura, ou construção civil, ou têxtil. Agricultura, eu não a via assim muito bem; construção civil eu não lidava assim muito bem com o cimento, então lá fomos nós para a têxtil.
C.C.- Depois a Atividade Empresarial!?
J.C. – Depois daí é que avancei com mais dois sócios na Indústria Têxtil por conta própria. Em 1993
C.C.- Onde começou a sua atividade Profissional?
J.C. – Quando acabei o curso fui trabalhar para a Sociedade de Fabricantes do Tortozendo, durante quatro anos, depois estive numa outra empresa na Covilhã, no José Esteves Fiadeiro, mais três anos.
C.C – E qual era a empresa, já era a FITCOM?
J.C. – Sim arrancámos logo com a FITCOM
C.C. – Ainda se mantém essa sociedade?
J.C. – Matém-se a empresa e mantêm-se os sócios.
C.C.- A FITCOM também se tem afirmado na região e pelo Mundo?!
J.C.– Estamos no mercado em vários pontos do Mundo, mas maioritariamente o nosso mercado é Europeu. Em Portugal também temos algumas coisas, mas o mercado português para nós representa apenas 5%., 95% é para a exportação.
C.C.- É aí que está a chave do sucesso da FITCOM? É na exportação?
J.C.- Olhe eu acho que a chave do sucesso de qualquer empresa tem a ver com a diferenciação do produto e com o trabalho e de fato a nossa equipa, sempre se pautou por ter produtos diferenciadores e por trabalhar incansávelmente, as horas do dia ou da noite que forem necessárias.
C. C. – Num País que reconhecidamente tem um grande défice empresarial, o senhor é reconhecido como um empresário de sucesso. Tem consciência disso?
J.C – Eu tenho consciência disso, se é bem atribuído o nome ou não (risos) isso é que já não sei…
C.C. -O que é isso do sucesso?
J.C.– O sucesso é sempre muito subjetivo, aquilo que eu tento é sempre adaptar-me às novas realidades. Eu nunca disse é assim porque eu entendo que seja assim… Quando afirmo que é assim é porque é esse o caminho para onde o mercado aponta. Pois mas não há chave para o sucesso
C.C.- Mas pedia-lhe que me indicasse dois ou três fatores fundamentais, para não se falhar!?
J.C.– Primeiro é preciso ter conhecimento, já diz o velho ditado quem te manda a ti sapateiro tocar rabecão. Por isso acho fundamental conhecer-se o produto e a forma como se transforma o produto. Depois é preciso ter-se uma paciência sem limites, as coisas nem sempre calham bem à primeira, tem de se ter a paciência de novas tentativas, e esforços.
C.C.-Persistência?!
J.C.-Exatamente. Quantas vezes estamos já numa fase avançada do processo e descobrimos, não é por aqui, vamos recuar, vamos começar do zero. Isso faz parte tanto da vida como da atividade empresarial. E isso tanto se aplica ao produto, como à produção, como ao mercado.
C.C. – No Têxtil por exemplo, em poucos anos a Covilhã, de Manchester portuguesa, transformou-se no maior cemitério industrial da Europa. O senhor investiu quando outros estavam a fechar, e venceu !?
J.C. – Primeiro temos de perceber porque é que os outros estavam a fechar. Era uma altura de crise, mas a crise não era assim tão acentuada. A Itália estava em muito bom estado, Portugal teve uma revolução e logo a seguir uma grande atrapalhação neste sector, na sua organização e adaptação ao mercado.
C.C. – Porque não conseguiram as grandes empresas da Covilhã se adaptar? Que leitura faz?
J.C. -Acompanhei o processo da maioria delas e com explicação de uma ou outra que conheci, a maioria falharam por benevolência técnica e tecnológica, mas não propriamente por má gestão. Houve uma inflação muito acentuada, chegou a haver juros de quase 50%, de repente os empresários ficaram descapitalizados, tecnologicamente não se renovaram e perderam a competitividade, perderam o mercado.
C.C.- E neste contexto aparece a FITCOM e afirma-se no mercado?!
J.C.– A FITCOM aparece, Aparece de uma forma inovadora, com conceitos novos. Eu era professor na Universidade da Beira Interior, na área do Design Têxtil, tinha uma boa noção daquilo que era o têxtil, do que era o desenho e daquilo que o mercado procurava. Em termos tecnológicos também tínhamos uma boa formação, alguma capacidade em saber selecionar aquilo que era importante.
C.C. – Um bom domínio técnico do sector?!
J.C. – Por exemplo o primeiro investimento que eu fiz foi na área do design e na área da qualidade. Penso que foi o primeiro sistema CAD a vir apara Portugal, lembro-me que na altura custou uma fortuna quatro mil contos ( isso dá hoje 8 mil euros) e tinha de estar num ambiente acondicionado. Montei um laboratório de qualidade que na altura custou-me cerca de 150 mil contos: Lembro-me que naquele primeiro projeto o mais barato foram de facto os seis teares que na altura adquiri.
C.C. – O que era o inverso daquilo que se costumava fazer em termos de Indústria Têxtil, Na Covilhã!!
J.C.-Era o inverso daquilo que era tradicional . Aliás nós ainda hoje pautamos por ser uma das empresas tecnologicamente mais avançadas da Europa e as áreas que nunca descuramos são o design e a qualidade. É claro que temos de ser competitivos em termos económicos, mas o mercado não se cativa só porque se vende um produto mais barato que os outros. Penso que o mercado se cativa, ao ter produtos diferenciadores e colocar aquilo que agrada ao consumidor.
C.C. – Onde é que estão a maior quantidade dos consumidores da FITCOM?
J.C.– É na Europa, nós vendemos cerca de 80% do que produzimos na Europa e os outros 20% estão pelo mundo fora. Neste momento estamos a progredir no continente americano. Nesta ocasião tenho gente numa feira têxtil na Colômbia. Na semana passada estivémos em Inglaterra, mas neste momento o nosso vetor de crescimento, está um pouco direcionado para o continente americano.
C.C. – Do têxtil ficava por aqui virava-me agora para a agricultura, (risos). -Na Agricultura todos abandonaram os campos, deixaram as propriedades foram para as cidades. Esta sua propriedade tem uma terra assim tão boa em termos agrícolas, para o senhor ficar cá?
J.C.- Bem eu nasci aqui, fui aqui criado, vivi aqui. Quando fui para a Universidade eu disse “adeus quinta que a mim não me apanhas cá mais…” risos. Vou-me tornar num citadino e esquecer o campo…
Acontece que uns anos mais tarde o meu Pai faleceu, a minha Mãe decidiu fazer as partilhas, as minhas irmãs não estavam interessadas no campo e eu tive de regressar e dizer “bom dia quinta cá estou eu outra vez”. Quando regressei vinha sem qualquer ideia do que é que queria fazer. A quinta já tinha um património vitivinícola interessante, mas tinham passado por cá uns rendeiros que se tinham encarregado das destruir. Nalgumas havia que arrancar e replantar.
C.C.- Mas esta não era a sua área técnica e de conhecimento?!
J.C.– Primeiro eu tinha o meu conhecimento empírico, porque eu vivi aqui durante os primeiros 19 ou 20 anos; Segundo o que em primeiro lugar fiz, foi contratar alguém que soubesse. criei uma avença com o Engº Francisco Santos que era o responsável da viticultura aqui da Cova da Beira e ele de facto é que me ajudou a avançar com a parte das vinhas. Para explorarmos as vinhas que tínhamos, comprámos direitos de vinha quase por todo o País, comprei terrenos aqui à volta. Algumas plantámos outras conservámos, ainda hoje temos vinhas que foram plantadas em 1931, de onde tiramos o nosso “Vinhas Velhas”.
C.C.- E há também um microclima interessante para isso?
J.C.- Ainda bem que tocou esse ponto que é muito importante. A Quinta dos Termos tem um terroado muito próprio, como vê nós estamos rodeados de montanhas a toda a volta, isto é um búnker e como tal tem amplitudes térmicas enormíssimas. Nós podemos no Verão, durante o dia chegar aos 50 graus e à noite ter 17 ou 18 graus, porque durante o dia estamos aqui numa caldeira e isto aquece, quando chega à noite o calor sobe e vem a fresquidão isto dá um microclima extraordinário no Mundo do Vinho.
C.C. – Próprio para o vinho? não é para as outras culturas?
J.C. -Há outras culturas que também gostam deste tipo de microclima, mas para o vinho, no conceito que nós temos do vinho, é especial e de facto, tal como para têxtil, nós temos de ter um produto diferenciado, aqui o vinho também é diferenciado. Nós temos de fazer aquilo que a natureza nos deixa fazer. Eu costumo dizer muita vez “o vinho faz-se na vinha, na adega nós só precisamos de saber conservá-lo”. É de facto esta particularidade que permite criar aqui vinhos de terroado. Eu se quiser fazer um determinado tecido na minha fábrica do Tortozendo, posso reproduzi-lo em qualquer parte do Mundo, EUA, China etc. Mas se eu quiser fazer o vinho que faço aqui na Quinta dos Termos, não o consigo fazer, por isso é que fomos eleger também outros sítios para fazer vinho.
C.C.- E por isso vem a apostar noutras zonas?
J.C.– Por isso é que nós comprámos a quinta da Herdade da Louza que já vai dar um vinho completamente diferente do da Quinta dos Termos, mas sempre com o mesmo lema “ o vinho faz-se na vinha, na adega só….”
C-C.-E é também com esta perspetiva diferenciadora?
J.C.– Exatamente! Ele vai ter caraterísticas completamente diferentes deste, mas complementar a este. Agora estamos a investir no Douro, mas também com a mesma filosofia, fazer o que lá é possível fazer, com aquele clima ali e vamos ter três vinhos complementares. Mas voltando aqui à quinta dos Termos, temos as nossas vinhas numa área previligiada, todas elas com um declive ligeiramente acentuado, viradas a sul, favorecidas pelo Sol que lhes dá, desde que nasce até que se põe, isso da-nos uma maturação muito equilibrada, embora devido às grandes amplitudes térmicas, seja uma maturação muito lenta. O pintor começa na mesma altura mas vai terminar 15 dias ou um mês depois, ou seja vamos ter vinhos muito mais complexos, com uma longevidade distinta. Eu acho que foi isso que agradou ao mercado.
C.C. -Acha por isso que há muito potencial no interior que precisa ser valorizado?
J.C- Não tenho qualquer dúvida e acho que efetivamente o interior tem de ter um desenvolvimento. Nós tivemos alguns exemplos de reinados que povoaram o interior. Tivemos o D. Sancho I que até ficou com o cognome do povoador; o D. Diniz que ficou com o cognome de o Agricultor e eles conseguiram-no como? Quando eles isentavam tributos e criavam atrativos para outras regiões as pessoas iam para lá, em condições muitas vezes até muito paupérrimas, mas toda a gente vivia em condições paupérrimas.
C.C. – Criar uma discriminação positiva?
J,C, – Há que tomar medidas em relação ao Interior e isso passa pela despenalização em impostos e aumento de ordenados. Imagine o seguinte cenário, nos impostos que as empresas pagam, vamos reduzi-los em 50%, mas vamos aumentar os ordenados proporcionalmente. Cativava-se a gente das cidades para o interior e estávamos a incentivar os empresários para investir significativamente no interior.
C.C.-Mas o que se tem passado não é isso?
J.C.-Não, o que se passa é o contrário, inclusivamente nós temos as autoestradas mais caras do País e da Europa. Eu dizia o outro dia a uma pessoa da área do poder que me desloco de forma mais fácil e mais barata de Lisboa para qualquer centro da Europa do que me desloco daqui para Lisboa. De facto como isto está leva a que só fiquem por aqui alguns teimosos, alguns tontos que persistem em não se ir embora, senão era a demandada geral.
C.C.-E para as novas gerações continua a ser difícil ficar?!
J.C.-As novas gerações já nem sabem que isto existe, os pais levaram-nos de pequenos e para os que cá ficaram continuam a sonhar ir para fora, os empregos não são compensadores. A Universidade da Beira interior tem 7200 alunos, todos os anos se licenciam mais de mil alunos. Destes mil quantos cá ficam? Menos de 5%.
C.C. -Então ao nível do Governo o caminho era despenalizar em vez de penalizar o interior. E ao nível das autarquias, o que faz falta fazer?
J.C. – As autarquias não podem fazer muito mais do que aquilo que fazem, elas também estão limitadas, estão dependentes do Poder Central, mesmo com a descentralização tão falada, tudo fica dependente da Capital.
C.C. – Mas por exemplo criaram-se aqui concretamente em Belmonte várias experiências de geminação e parceria com várias cidades nomeadamente no Brasil. Isso tem dado alguns resultados?
J.C. – No meu ponto de vista, a divulgação das regiões é muito importante, independentemente de ser para o Brasil ou outro local, quando é que isso dá frutos, é que é muito relativo. Nós quando plantamos uma videira levamos vários anos até que essa vinha produza bom vinho.
C.C.-Em termos muito concretos, o Sr. produz vinho e fabrica têxtil. Destas parcerias, visitas, deslocações, criaram-se-lhe algumas oportunidades de negócio?
J.C.- Muito pouco, mas acredito que sejam frutíferas num futuro, porque um negócio não é uma coisa que se faça num clique. O negócio é como um casamento, antes do casamento há um namoro. Antes de alguém comprar alguma coisa estuda o produto, estuda o mercado, avalia a concorrência.
C.C.Em termos de escala, as empresas da região têm capacidade para fornecer mercados no Brasil por exemplo?
J.C. -Então não têm!?, em termos de vinhos a Quinta dos Termos tem capacidade para fornecer mercados no Brasil e em termos do têxtil eu produzo, 15 km de tecido por dia. Se estamos a participar em vários pontos do continente americano, porque não no Brasil!?
C.C.- Voltando aqui à necessidade de afirmar esta força que vem do interior, a Plataforma pela Reposição das SCUT, está animada porque passados nove anos vê alguma luz no sentido da redução significativa das portagens. Esta plataforma é um modelo multisectorial com empresários, comerciantes sindicatos etc. Passará por modelos destes a reivindicação do Interior !?
J.C.- Bem! quanto é que é a redução?, 1%, 3%, 20%? Se é 20% não vai adiantar nada. Uma redução no caso concreto das portagens tem de ser drástica, drástica quer dizer que tem de ser superior a 50%. Agora quando falamos em massa critica, nós não temos massa critica. Aqui há 20 anos era eu presidente da Associação Empresarial da Covilhã, Belmonte e Penamacor. Na altura nós falámos com outros colegas de outras associações para a criação de uma federação, ou qualquer coisa que unisse esta região da Beira Interior. Pegar nesta zona que vem desde Ródão cobrindo Castelo Branco e Guarda, até Viseu. Isso já era alguma massa critica. Agora como nós estamos organizados em termos associativos, não representamos nada.
As autarquias estão isoladas umas das outras, cada uma olha para o seu umbigo, de facto não conseguimos superar a nossa pequenez.
C.C- Deixamos a preocupação no ar. E terminando onde poderiamos começar, segundo vem na comunicação social, agora investiu 3 milhões no Douro, no sector dos vinhos. Quando todos dizem que a produção ali fica mais cara e lá se queixam, da grande concorrência do Sul! Será atrevimento?
J.C- Primeiro, eu ainda não investi três milhões nenhuns, no global desde a aquisição dos terrenos, à construção das vinhas, à montagem da adega, será um investimento dessa grandeza, mas não se faz num mês nem num ano. Porque de facto desde que se planta uma videira até que se começa a beber, o primeiro vinho vai para o mercado passados cinco ou seis anos. Agora como eu disse há pouco, o importante não é o preço, o importante é quanto é que vale o produto.
C.C. – E o produto do Douro é mais valorizado!?
J.C. -Não vou falar de vinhos iguais porque não há vinhos iguais, mas dentro da mesma gama, um vinho do douro vale três vezes mais do que o da Beira Interior. Outro espeto é como eu disse atrás, ter vinhos que se complementam, ter produto que agrade ao mais variado tipo de palatos. Sempre vinhos de terroado, com identidade, mas com caraterísticas diferenciadoras.
C.C. -Bem vejo que tem projetos e ideias que vão para além da sua esperança de vida. Por muito longa que ela seja. Há perspetiva de ter nos seus descendentes quem lhe dê continuidade?
J.C. –– Tenho aqui um exemplo, de um jovem formado em Lisboa na Nova, que trabalhou em Lisboa três anos, muito bem remunerado e veio para aqui a ganhar um terço do que ganhava em Lisboa. É o meu filho Pedro Carvalho. (que nos apresentou nessa ocasião), é aqui responsável do setor comercial da Quinta dos Termos
C.C. E tem só este?
J.C.-Temos outro filho o Miguel que também fez uma licenciatura em Engenharia, Mestrado e várias especializações e está no departamento técnico da FITCOM.
C.C.- Ambos seguindo o exemplo dos Pais de juntar o conhecimento técnico com a experiência do trabalho?
J.C.– Sim, é sempre muito importante juntar o conhecimento cientifico com o conhecimento empírico.
C.C. -Vamos contentes porque adivinhamos que esta rota de sucesso empresarial, vai ter continuidade. Obrigado!
J.C.– Assim Espero. Bem Haja!