
A mais ofiginal contribuição dos Romanos para a história da civilização foi o Direito. Não se pode dizer, decerto, que o Direito seja uma criação dos Romanos. Onde há homens a viver em sociedade, e é próprio da natureza dos homens viver em sociedade, logo tem de haver um mínimo indispensável de regulamentação das relações entre os indivíduos, as famílias, os grupos e aquilo que se adquire ou se perde, quer dizer, a propriedade. Num grau mais elevado, ou apenas mais adiantado, o Direito logo se encontra na organização ordenada e eficaz da variedade de funções que cada um desempenha na sociedade em que se integra. Finalmente, a sociedade organizada e ordenada, fundada nas origens, interesses e fins que são comuns a todos os indivíduos, tende a constituir aquilo a que, depois do Renascimento, se passou a chamar Estado, que é a garantia de eficácia do Direito. Se o Direito é assim inerente ao homem como ser social, não se pode decerto dizer que foram os Romanos que criaram o Direito.
Na próxima Grécia encontraram já os Romanos uma longa tradição jurídica, que para mais incidiu naquele domínio social, o Estado, que constituiu a cúpula de toda a construção do Direito. Podemos até dizer que os Gregos se preocuparam mais em afirmar o Direito no Estado do que no domínio privado, isto é, nas relações que se estabelecem entre os indivíduos como dependentes exclusivamente de sua vontade. A tradição grega dos grandes legisladores, como por exemplo Drácon e Sólon, cinge-se ao domínio do Estado, à estrutura das diferentes hierarquias públicas, à determinação dessas hierarquias; foi assim que os Gregos criaram aquilo a que se chama democracia, e assim também criaram a aristocracia e a monarquia. Quer dizer: no que hoje se chama sistema ou regime político, os Gregos teorizaram e realizaram as três formas possíveis do Estado: o governo de um só, ou monarquia: o governo de alguns, os melhores, ou aristocracia; o governo de todos, ou democracia. Além dos grandes legisladores gregos, os dois mais importantes filósofos deixaram-nos os livros onde o Direito é pensado: Aristóteles deixou-nos A Polílica; Platão deixou-nos A República e As Leis. O Direito de que tratam estes dois filósofos é, porém, tal como os títulos logo indicam, o Direito que se refere ao Eatado. As relações privadas concebiam-se como dependendo muito mais da estrutura do Estado do que da vontade dos indivíduos.
Consideremos, um momento, o princípio do Direito, que é a Justiça. Começaram os Gregos por imaginá-la como uma divindade terrível ou temerosa, a Diké. Quando, fora da religião, Platão passou,como é próprio do filósofo, da imagem para o conceito, exprimiu-o nos seguintes termos; a Justiça consiste em dar a cada um o que lhe pertence. Esta expressão não esconde que a Justiça tanto afirma que alguma coisa pertence a alguém, como que alguma coisa é dada a alguém. Bem pensada a expressão, diremos que está a Justiça mais no que dá do que no que pertence. Ora tal conceito tem em vista que o que pertence está no domínio do particular e o que dá se encontra no domínio do Estado. A Justiça serve, pois, uma determinação estadual.
Se bem me fiz entender, concluiremos que, antes dos Romanos, todo o Direito era Direito do Estado. Foi esta concepção que os Romanos vieram distruir ou, pelo menos, alterar. O Direito passou a ser, primacialmente, o Direito daquele a quem pertence, o particular, o indivíduo, o homem.
João Paiva
Residente em Caria
Ex- Chefe de Finanças , aposentado da Direção Geral dos Impostos