Em Caria há ruas praticamente sem gente, em que sobram casas abandonadas e se percebe uma atmosfera melancólica e deserta. Oferecem uma sensação de silêncio, solidão e decadência.
Nas ruas onde falta gente, quase ninguém passa e nada se passa. Há casas vazias com portas fechadas para sempre, muitas delas degradadas ou em degradação, feridas de morte, à mercê das forças da natureza.
As paredes contam histórias silenciosas das pessoas, do tempo que passou, e o interior vazio guarda segredos de quem lá viveu. Uma ou várias gerações. As ruas abandonadas são um cenário nostálgico que trazem ao presente memórias do passado.
A história de Caria escreve-se, também, com as pessoas dessas e nessas ruas, pois as pessoas fazem parte da nossa memória colectiva.
Tempos atrás as ruas fervilhavam. Agora vazias e despovoadas reflectem um passado cheio de actividade e vida, agora silenciado pelo tempo.
O ambiente rural muitas vezes compartilhava espaço colectivo com animais. Essa prática, na verdade um atentado à saúde pública, estava relacionada com os usos e costumes agrícolas. Os animais eram mantidos próximos às residências para facilitar tarefas diárias integradas com a vida humana e a agricultura.
As crianças eram muitas e reuniam-se em grupos para brincar na rua ao ar livre. Muitos dos jogos de rua eram imaginados e improvisados pelas próprias crianças baseando-se na criatividade e nos recursos disponíveis.
Havia muitas tabernas onde os homens se juntavam, sobretudo aos domingos. Entre dois copos de vinho, que alegrava a alma, jogava-se à sueca, à malha, ao bolim, acertava-se a conversa, sabiam-se as novidades, coscuvilhava-se, propunha-se um negócio. E as tabernas, na sua simplicidade, eram espaços importantes na vida social masculina e o cruzamento de todos os destinos. Não se podia passar sem elas.
O Largo da Trincheira era a praça de jorna, onde se arranjava patrão. Era o mercado de mão-de-obra, frequentado por proprietários rurais e assalariados. Havia mais tabernas por perto que se enchiam de homens à procura de trabalho, e onde se celebravam contratos com um simples aperto de mão, selados com copos de vinho.
E a emigração tudo levou. Partiram os jovens e famílias inteiras à procura de uma vida melhor, fugindo à fome e à pobreza. Ficaram os idosos. Daí até a um cenário de casas sem gente e ruas vazias foi um passo. Assiste-se com displicência à degradação do nosso património edificado, material e imaterial no centro histórico de Caria. Perdem-se tradições, história, memórias e valores.
Lê-se no site da Junta de Freguesia de Caria:
“Passear pelas ruas de Caria é passear pela sua história. Em Caria, em cada rua, em cada casa, é possível observar marcas deixadas por populações anteriores. São os brasões, as datas, os elementos arquitectónicos reutilizados, os grafitos que atestam a passagem dos soldados franceses em 1808 aquando das Invasões. Já as marcas cruciformes presentes nas ombreiras de diversas portas, remetem-nos para uma primitiva presença judaica na vila”.
“É ver e maravilhar-se com igrejas e capelas (Igreja Paroquial de Caria, Capela de Santo António, Capela de Sant’Ana, São Marcos, Santo Antão), com casas senhoriais (Casa da Torre, Palacete dos Viscondes de Tinalhas, Solar Quevedo Pessanha, Casarão de Santa Constança, Solar dos Condes de Caria), com casas com história e tradição (Casa da Roda, Casa Etnográfica, Casa das Caras, Antiga Casa da Câmara), com as diversas fontes (Fonte do Prior, Fonte do Carvalho, Fonte de Sant’Ana, Fonte de São Sebastião, Fonte do Ruivo)”. Parte deste património carece de intervenção de preservação e valorização.
Artigo espetacular e verdadeiro, eu vivi esse tempo antigo, mais de criança, só
Tenho agradecer por esta obra ao sr. Manuel Geraldes. Obrigado.