Tiborna no Açor

Parto de Aldeia de Joanes, seguindo a EN. 238, com passagem pelo Souto da Casa – terra do grito de liberdade no Carvalhal – e Castelejo, aldeia da Romaria de Santa Luzia, onde Amália manifestou a sua Fé e o seu canto. Chegamos à Enxabarda, aldeia que ficou na história onde as tropas comandadas na primeira passagem pelo General Gardanne em 20 de Novembro de 1810, e na segunda ainda mais sangrenta, comandadas pelo General Foy, são encurraladas e sofreram uma pesada derrota, atacadas por milícias portuguesas de Alpedrinha, da qual resultou a morte de 207 militares franceses, no dia 1 de Fevereiro de 1811. Segundo Diamantino Gonçalves, brilhante fotógrafo e grande conhecedor de História, “ainda andam por estes terrenos muitos vestígios para descobrir e investigar.”

Subo a Serra da Maunça por uma estrada, a EN. 517, serpenteada em pequenas colinas verdejantes, e depressa se chega à acolhedora aldeia do Açor, onde se encontra o Lagar Cooperativo dos Olivicultores. Aqui faz-se o melhor azeite do mundo, e por isso se celebra a secular peregrinação gastronómica à denominada tibórnia ou lagueirada.

Victor Silveira Borges, responsável há doze anos pelo Lagar do Açor, informa que segundo as tradições populares dos lagareiros, no final da última extração do azeite, se fazem as tibórnias em todos os lagares do concelho do Fundão. Explica que é uma refeição servida a todos os sócios, familiares e convidados, como era o meu caso.

A receita culinária é muito simples, composta por batatas, couves, bacalhau, cozidas em azeite virgem ainda quente, acabado de sair da bica do lagar.

No final da cozedura, retira-se uma porção de líquido, que é misturada com vinho, e assim se faz o caldo, “O GRÓ”, que é servido a todos, com um sabor gustativo celestial. Umas purezas desta qualidade até os Anjos apreciariam, se chegasse ao Céu.

No armazém do Lagar, preparado para o efeito, foi servida uma refeição para setenta pessoas, que saborearam a famosa tibórnia. Sentei-me ao lado de gentes que ainda resistem nas fainas agrícolas das suas courelas e de regressados da diáspora na Alemanha, Luxemburgo, França, Suíça, Canadá… Além da apanha da sua azeitona, participam neste encontro.

A refeição decorre ao som de música da Beira Baixa, tocada e cantada por três voluntários, sócios do Lagar do Açor: Duarte Martins Borges da Enxabarda, Joaquim Roque de Bogas de Cima e António Daniel de São Martinho.

Nesta grande animação musical e social não faltam os brindes ao novo ano, com a esperança de uma melhor produção do que a presente, que caiu para menos 40% da que se esperava.

O responsável do Lagar do Açor esclarece que o esmagamento da azeitona ainda é feito de forma artesanal, com mós de pedra, e o bagaço exprimido com o capacho. Este Lagar Comunitário é um dos últimos exemplares no país, e um ícone da Região da Beira Baixa.

Tem sócios de diversas aldeias limítrofes e também do concelho da Pampilhosa da Serra, mas vê-se com muita apreensão o futuro, porque, se encerrar, o olivicultor desta região só tem duas alternativas. A primeira, socorrer-se do afastado Lagar do Fundão, sem condições operacionais para aceitar mais sócios. Veja-se a situação de desespero por que passam os produtores de azeitona, esperando horas infinitas para a entrega na moagem. A segunda, e mais dramática, arrancar as oliveiras e fazer lenha para venda ou consumo nas lareiras, dando-se uma machadada na tão falada agricultura familiar.

Circula-se pelas ruas estreitas, apreciamos o granito e o xisto da calçada, de muros e residências. Açor, com o tempo certo, é um lugar mágico para a nossa imaginação.

Juntar pessoas à volta de mesas, junto a um Lagar, partilhar esta refeição com sócios, familiares, convidados, onde se incluem as autoridades, dá a todos nós um sentido mais fraterno, mais solidário e mais humano. Olhamos para muitos rostos enrugados, para mãos calejadas, para antigos combatentes, para emigrantes que voltaram, alguns provisoriamente, e também para vários jovens, todos heróis destas terras no interior do País. Estes rituais fortalecem as relações entre pessoas e gerações, são a materialização do significado de “companheiro”, vindo do latim “cum panis”, ou seja, “o que partilha o pão connosco.” Este pensamento surge-me enquanto molho o pão no azeite virgem do Lagar do Açor.

Esperemos que estes rituais de convivialidade, que são únicos, não desapareçam com os novos tempos e as novas tecnologias.

No final da tibórnia, uma descida à sede da ARCOPA (Associação Recreativa e Cultural dos Pastores do Açor), uma visita às instalações e a tomada de um café e digestivo.

A noite ia longa e no écran cinematográfico vejo as imagens do Açor, uma aldeia situada na Serra da Maunça, terra de oliveiras e castanheiros centenários, onde a vida por vezes é difícil, fruto de um certo isolamento, do envelhecimento demográfico, da emigração, mas onde não falta a esperança. Que o digam aqueles que vão resistindo, que trabalham na agricultura e na pastorícia.

António Alves Fernandes

Aldeia de Joanes

Janeiro/2023

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