O ritual do madeiro constitui uma significativa tradição relacionada com a celebração pagã do solstício de Inverno através do fogo que na freguesia de Aranhas, se mantém bem viva. Constitui uma tradição enraizada na comunidade em que o ritual do fogo solidário é unificador e redentor que foi assumiddo pela Igreja cristâ. Em vez de arrancados e cortados à força de braços, actualmente são usadas moto-serras para cortar os troncos das árvores secas e alguns tractores para o seu tranporte até ao adro da Igreja. Contudo, perdura o ritual de empenho colectivo de entre-ajuda solidária integrado na preparação do Natal que não depende da exagerada dimensão do madeiro em algumas localidades àvidas de turismo descaracterizador.
Eram os rapazes das sortes (quando aos dezoito anos iam dar o nome para o serviço militar) que, na noite de sete para oito de Dezembro, iam arrancar os troncos e as raízes secas das sobreiras, azinheiras ou oliveiras. Actualmente, é um grupo de jovens de várias idades que são ajudados pelos seus familiares e amigos.
Para se reunirem é dado o sinal com o grande búzio – profunda memória telúrica – e lá vão durante toda a noite, independentemente da chuva ou do frio. As árvores arrancadas são desbastadas para que se possa carregar a lenha mais grossa.
Depois de carregados os tractores come-se e bebe-se bem junto à improvisada fogueira a dita bucha bem farta: pão com azeitonas, queijo, presunto, carne assada e vinho e água-ardente à discrição.
Pela manhã do dia da Imaculada Conceição o cortejo (antigamente de carros de bois, actualmente de tractores) entra na Povoação de modo a que se aproxime da Igreja na altura do fim da Missa. Quando as pessoas começam a sair da Igreja, ouvem-se vozes a anunciar, com entusiasmo:
-Já lá vem o madeiro! Já lá vem o madeiro!
Tocam os sinos em ritmo festivo e o povo aguarda e participa com grande entusiasmo. No tractor da frente, em cima dos grandes troncos vem o maior grupo de jovens, acompanhados de um ou dois acordeonistas. Um dos jovens traz um cabrito, outro um ramo de laranjeira carregado de laranjas (que mais tarde oferecerão às namoradas), outro o garrafão de vinho e ainda, outro toca por vezes o búzio. Durante o percurso os jovens cantam as tradicionais canções de natal: ò meu menino jesus / ó meu menino tão belo…; entrai pastores, entrai / por esse portal sagrado… Junta-se-lhes o homem dos vivas (que há muitos anos tem sido quase sempre Joaquim Neves Carreto (Ti Joaquim Filhota).
Logo que o primeiro tractor pára em frente da Igreja, são proclamados os tradicionais vivas, aos quais todos respondem num grande coro festivo: VIVA!
- Viva o Menino Jesus que nos deu forças para carregar o madeiro!
Coro: Viva! - Viva quem nos deu o madeiro!
Coro: Viva! - Viva o ganhão (o tractor) dianteiro e também o traseiro!
Coro: Viva! - Vivam os tocadores!
Coro: Vivam! - Viva toda esta alegria!
Coro: Viva! - Vivam os rapazes e as raparigas!
Coro: Vivam!
-Vivam todos os que aqui estão!
Coro: Vivam!
-Viva o padre e o sacristão!
Coro: Vivam!
-Viva a hora em que aqui me puz!
Coro: Viva!
-Viva o Menino Jesus!
Coro: Viva!
-Viva a Imaculada Conceição!
Coro: Viva!
-Viva o garrafão do vinho!
Coro: Viva!
-Viva o Tonho Bragado que toca o sino!
Coro: Viva! - Tudo não passa de uma anedota, viva o Joaquim Filhota!
Coro: Viva! - Viva toda esta graça!
Coro: Viva! - E vamos de rumo até à praça!
E segue o cortejo dos tractores até ao adro da Igreja onde, sob o olhar atento e curioso dos presentes, se descarregam os grandes troncos que são empilhados no centro do adro.
Da parte da tarde, a rapaziada do madeiro reúne-se em convívio num lauto almoço à base de cabrito, confeccionado pelas suas famílias com as ofertas recebidas. Segue-se um baile onde participa toda a população.
O madeiro fica no adro até à Noite de Natal. Á meia-noite, a seguir à Missa do Galo, é-lhe deitado fogo e, à volta da grande fogueira, canta-se o Menino Jesus e outras cantigas e danças tradicionais do cancioneiro local, acompanhadas dos acordeões. Comem-se filhós acompanhadas de chocolate quente, vinho, jeropiga e água-ardente, prolongando-se o alegre convívio pela noite dentro.
A fogueira do madeiro não se apaga até se consumirem os troncos, o que pode durar algumas noites, sempre com animação popular genuína representando um fraterno convívio de partilha e celebração do Natal.