Entrevista Com Manuel Geraldes

Dr. Manuel Geraldes, natural e residente em Caria, médico dedicado à população da sua freguesia e do seu concelho durante uma vida, que conhece as suas preocupações, virtualidades e anseios de forma singular.

Jorge Henriques Santos

Onde nasceu, onde foi criado, profissão dos pais, quantos irmãos?
Nasci e cresci no meio rural profundo, quinta do panasco em Caria, filho de pais agricultores. Tenho 67 anos e sou o mais velho de 3 irmãos. Os meus pais e irmãos emigraram para França, quando eu tinha 11 anos. Fiquei com a minha avó.
Casei em Caria, tenho 2 filhos e 2 netos.

Onde estudou: Ensino primário, secundário e universidade?
Frequentei o ensino primário na escola da Fonte do Ruivo, foram minhas professoras a D. Isabel Paiva e D. Claudina. Com 10 anos ingressei no seminário Menor de Vila Viçosa a convite do Padre Luís Silveira, também de Caria, em 1966 transitei para o seminário Maior de Évora. Concluí o ensino secundário no Liceu Nacional da Covilhã tendo, antes, frequentado o colégio Moderno da Covilhã. Licenciei-me em Medicina em 1978 na Faculdade de Medicina de Lisboa, Hospital de Santa Maria. Sou médico, porque agarrei a oportunidade que me deu o padre Luís Silveira, e graças ao ensino e educação que recebi no Seminário. Na altura “os pobres” não iam além da 4ª classe. O Seminário era uma porta aberta para os mais carenciados poderem continuar a sua formação. Muito contribuíram os meus pais que emigraram para França, sem o seu esforço financeiro, sobretudo após a saída do seminário, também não seria possível.

Formação: Formou-se em Medicina: especializações, teses feitas, trabalhos editados?
Tirei a especialidade de Medicina Geral e Familiar em Coimbra, já durante o exercício de Clínica Geral no Centro de Saúde de Belmonte. Fiz uma pós graduação avançada, em gestão de saúde (Paces Direct) direccionada para Directores Executivos de Agrupamentos de Centros de Saúde (ACeS) em 2009. Fui orador em vários congressos de medicina.

Actividade Profissional: onde estagiou, onde começou a exercer medicina, por onde tem a sua carreira profissional?
Em 1979 Iniciei o estágio policlínico no Hospital de Santa Maria, nos serviços de medicina II, UTIC, infecto-contagiosas, Cirurgia vascular, pediatria, ginecologia e obstetrícia e oftalmologia. Seguiu-se o estágio de saúde pública em 1980, no Centro de Saúde de Belmonte. Fiz o então chamado serviço médico à periferia em 1981/1982, no Hospital Concelhio de Belmonte. Em Setembro de 1982 ingressei na Carreia de Clinica Geral, a trabalhar definitivamente no Centro de Saúde de Belmonte.
Fui Delegado de Saúde e Director do Centro de Saúde de Belmonte de 1994 a 2009 e o primeiro Director Executivo do ACeS Cova da Beira de 2009 a 2012. Após a substituição, a pedido, regressei ao cargo de Coordenador do Centro de Saúde de Belmonte até Junho de 2019, ano em que reassumi funções de Director Executivo do ACeS da Cova da Beira, até à presente data. Sou, desde 2002, professor associado convidado da Faculdade de Medicina da Universidade da Beira Interior.

Particularidades do exercício da actividade médica no meio onde de onde é natural: Vantagens e inconvenientes dessa proximidade?.
A minha história de vida social, familiar e profissional está ligada e consolidada no Concelho de Belmonte. Gosto deste Concelho e das pessoas a quem me sinto ligado emocionalmente. Viver dentro permite-me conhecer os problemas de proximidade e dar o meu contributo para os resolver em áreas que me dizem respeito e por força dos cargos que exerço. Sinto-me realizado como médico neste concelho que sempre me acolheu afectuosamente. Fui médico de muitas famílias e de, pelo menos, 4 gerações.
Quando aceitei o cargo de Director Executivo do ACeS Cova da Beira, fui autorizado a exercer medicina, a meu pedido. Assim continuo a dar apoio em situações de maior dificuldade no centro de saúde, em situações de eminente rotura na prestação dos cuidados de saúde. O quadro do Centro de Saúde ficou reduzido a 3 médicos, temporariamente, por férias e por licença de parentalidade de uma das médicas. Devido à Covid 19 e férias, foi reduzido o horário de funcionamento da extensão de saúde de Caria, mas a sua continuidade, enquanto pólo de saúde, nunca esteve em risco. Aliás, disso mesmo, dei conta aos utentes, disponibilizando parte do meu horário para fazer uma consulta semanal.

O que mais o entristece e o que mais o anima nesse contacto com as pessoas?
A ingratidão e a violência sobre profissionais de saúde sejam elas de que natureza for.
Para alguns utentes, o médico é bom quando diz sempre sim a todos os seus pedidos. O sempre não dura sempre e quando acontece um não, passa rapidamente de bestial a besta.
Sempre tive um contacto fácil com os meus doentes, cultivo uma relação empática, familiar e de amizade na relação médico doente. Daí poder afirmar que me sinto realizado profissionalmente. Muitos utentes consideram-me uma parte da sua família.

Para além da actividade médica que cargos e funções sociais tem exercido também?
O médico deve conhecer e integrar-se o mais possível no meio social onde exerce. Tem que haver uma interacção reciproca entre trabalho e vida privada.
Sempre participei na dinâmica sociocultural e desportiva na comunidade onde nasci, cresci e vivo. Fui sócio fundador da Associação Cultural e Recreativa de Caria e Rádio Caria, de que fui presidente durante alguns anos; Fiz parte do Grupo de Cantares Toca da Moura; Presidente da União Desportiva Cariense; Presidente do Centro de Assistência Paroquial de Caria/Lar de Caria.

Sente algum fascínio por alguma outra actividade? (politica, desportiva, social)
Dei muito de mim à sociedade em múltiplas áreas distintas, mas deve-se promover a necessária mudança geracional. Estarei sempre disponível para apoiar e ajudar quando necessário. Ainda fiz uma investida na política, tendo sido Presidente da Assembleia Municipal de Belmonte entre 2005 e 2009. Nestas funções dinamizei a Assembleia Municipal para exigir junto da tutela a abertura do Centro de Saúde aos fins-de-semana. Deixei passar ao lado a oportunidade de me candidatar a Presidente da Câmara, mas a vida é feita de escolhas. Escolhi ser médico sempre.

Como tem assistido ao aparente “definhamento” da vida económica e social nesta Região onde teimosamente se continua a dedicar?
O governo central não olha para nós, estamos longe do poder. O nosso território está cada vez mais despovoado. Somos poucos e velhos. A taxa de natalidade apresenta uma curva descendente e a da mortalidade curva ascendente. Os jovens vão para longe à procura de oportunidades, não se fixam. A elevada taxa de iliteracia e mão-de-obra desqualificada são factores que não jogam a nosso favor. Acentuam-se cada vez mais as desigualdades sociais, entre o interior e o litoral. Temos qualidade de vida, mas é preciso dar mais vida às nossas vilas, cidades e aldeias, investir naquilo que é nosso e ninguém nos leva ou rouba, a terra.
Necessitamos de um plano estratégico integrado e concertado de investimentos e recuperação do interior. A falta de articulação e de visão estratégica global para o interior e Cova da Beira, em particular, do poder local põe cada decisor a olhar para o seu umbigo.

Pela sua actividade apercebe-se de forma muito directa do envelhecimento social. O que mais tem contribuído para isso, em sua opinião?
Não me preocupa o envelhecimento populacional, desde que activo, saudável e com qualidade de vida. O que me preocupa é o elevado número de idosos face ao número de jovens. Somos uma das regiões com maior envelhecimento social, cerca de 250 habitantes idosos por cada 100 jovens. Não há como dar a volta a esta situação se não houver investimentos que criem emprego para atrair e fixar jovens e mão de obra qualificada.
É preciso rever a política de incentivos e apoios às empresas que se queiram instalar no interior e às que já cá estão, incentivos sérios e eficazes, capazes de ser medidos e controlados, impedindo a fraude, que reduzam os custos de produção e contribuam para a obtenção de riqueza social. Pergunto para quando a abolição das portagens? A universidade da Beira Interior atrai, forma e qualifica muitos jovens, incluindo os nossos, mas como os fixar?

Que potencialidades vê na região que podiam ser valorizadas nesse sentido?
Temos potencialidades endógenas. O sector do turismo é uma potencialidade com identidade cultural, história, património e um clima propício. Neste sector começa a despontar o agro-turismo. A classificação da Serra da Estrela como Geopark Mundial da Unesco, não tenho dúvidas que vai potenciar as ofertas neste sector.
Nunca é tarde para repensar o investimento na agricultura de escala, mas de forma planificada e qualificada, com propósitos bem definidos. O sector vitivinícola e a cereja marca “Fundão” representam o que de melhor se tem feito na produção e divulgação de produtos endógenos de qualidade.
Na área da saúde é preciso apostar em serviços hospitalares de excelência e diferenciadores.
Cuidados primários de proximidade que abranjam o ciclo de vida das pessoas, da prevenção à promoção da saúde com serviços de qualidade e resposta adequada às reais necessidades das pessoas, nomeadamente cuidados domiciliários e cuidados continuados. Aposta no conceito de Unidade de Saúde Familiar (USF). Uma saúde assim evita a fuga, atrai e fixa jovens médicos e outros profissionais de saúde.
Existem condições para investir na investigação, inovação, desenvolvimento de ideias e novas tecnologias por via da Universidade da Beira Interior.

Por último, os efeitos desta Pandemia: O que nos vai deixar de mazelas sociais? E de Efeitos positivos? Se acha que também vai ter?.
Em relação à pandemia covid-19, a Cova da Beira ficou bem na fotografia até agora. A acção concertada da saúde pública, dos serviços hospitalares e cuidados primários, das forças de segurança e proteção civil, das autarquias, Segurança Social, dos cuidadores e responsáveis das instituições de idosos foram facilitadores da prevenção, controle e combate à infecção pelo vírus SARS Cov 2. Temos que estar em alerta máximo e saber conviver com o vírus. Não podemos desmobilizar as medidas de proteção individual, nomeadamente a higienização respiratória e das mãos, uso de máscara e distanciamento social. As consequências sociais já são visíveis. O impacto sobre a saúde, sobretudo a saúde mental, revela-se pela ansiedade e depressão, resultantes do pânico e medo de contágio, perda de rendimentos e aumento do desemprego.

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